| Original Full Text | ISSN 0034‑835Xe‑ISSN 2596‑0466Revista de Informação LegislativaBrasília – DFvolume 61243p. 1‑278julho a setembro de 202411RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11O Brasil segue os padrões internacionais de respeito ao direito à autodeterminação dos pacientes? O exemplo das testemunhas de JeováIs Brazilian law in harmony with international standards on the right to self-determination of patients? The example of Jehovah’s witnessesPetr Muzny1Aline Albuquerque2ResumoA falta de legislação que proteja o direito dos pacientes cria incertezas para médicos e pacientes no Brasil. Este artigo sugere maneiras para harmonizar a legislação e a jurisprudência com os padrões internacionais e utiliza como exemplos casos envolvendo pacientes testemunhas de Jeová. A metodologia empregada é o exame da jurisprudência de cortes constitucionais e internacionais em casos que os envolvem. O foco é avaliar tanto o reconhecimento do direito à autodeterminação, inclusive em casos de inconsciência e situações de emergência, quanto a objeção de consciência e responsabilidade do médico quando o paciente rejeita certo tratamento. Conclui-se que: a) é absoluto o direito dos pacientes capazes de escolher tratamento médico em harmonia com seus valores pessoais; b) os médicos que respeitam esse direito estão protegidos de responsabilização civil e criminal; e c) é necessária uma legislação que proteja o direito dos pacientes à autodeterminação.Palavras-chave: direitos do paciente; testemunhas de Jeová; escolha de tratamento; autonomia individual; consentimento informado.1 Petr Muzny é doutor em Direito pela Université de Montpellier, Montpellier, França; professor sênior do Institut des hautes études européennes, Estrasburgo, França; professor titular de Direito na Université Savoie Mont Blanc Annecy, Chambéry, Savoie, França; professor adjunto da Faculdade de Tradução e Interpretação da Universidade de Genebra, Genebra, Suíça; especialista em Direito Internacional, Direitos Humanos e Direito Médico; especialista jurídico e advogado perante cortes internacionais. E-mail: petr.muzny@unige.ch2 Aline Albuquerque Sant’Anna de Oliveira é doutora em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília (UnB), Brasília, DF, Brasil; mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil; profes-sora do programa de pós-graduação em Bioética da UnB, Brasília, DF, Brasil. E-mail: alineaoliveira@hotmail.com12 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11AbstractThe lack of legislation to protect patients’ rights creates uncertainty for physicians and patients in Brazil. This article suggests ways to harmonize legislation and case law with international standards, and uses cases involving Jehovah’s witness patients as examples. The methodology used is to examine the case law of constitutional and international courts in cases involving them. The focus is to assess both the recognition of the right to self-determination, including in cases of unconsciousness and emergency situations, and conscientious objection and the physician’s responsibility in the face of a patient’s therapeutic refusal. It is concluded that: a) the right of capable patients to choose medical treatment in harmony with their personal values is absolute; b) physicians who respect this right are protected from civil and criminal liability; and c) legislation to protect patients’ right to self-determination is necessary.Keywords: patient rights; Jehovah’s witnesses; choice of treatment; personal autonomy; informed consent.Recebido em 4/3/24Aprovado em 26/6/24DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Como citar este artigo: ABNT3 e APA41 IntroduçãoÉ inviolável o direito à integridade física. Esse direito fundamental à autonomia é reconhecido em leis civis e códigos penais em todo o mundo, o que evidencia uma clara tendência internacional5. Embora seja signatário da Declaração universal dos direitos humanos e tenha ratificado a Convenção americana sobre direitos humanos, bem como outros 3 MUZNY, Petr; ALBUQUERQUE, Aline. O Brasil segue os padrões internacionais de respeito ao direito à autodeterminação dos pacientes?: o exemplo das testemunhas de Jeová. Revista de Informação Legislativa: RIL, Brasília, DF, v. 61, n. 243, p. 11-42, jul./set. 2024. DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/ril/edicoes/61/243/ril_v61_n243_p114 Muzny, P., & Albuquerque, A. (2024). O Brasil segue os padrões internacionais de respeito ao direito à autode-terminação dos pacientes?: o exemplo das testemunhas de Jeová. Revista de Informação Legislativa: RIL, 61(243), 11-42. https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p115 No Julgamento de Nuremberg (1945-1946) abordou-se a questão da limitação dos poderes do médico, pois o poder descontrolado pode violar a dignidade da pessoa humana; firmou-se que o consentimento é a fonte da legitimidade da ação médica e que a responsabilidade de agir para o bem do paciente não pode em si mesma justificar procedimentos médicos. Ver Lifton (1986).13RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11tratados regionais que garantem o respeito a esses direitos6, o Brasil ainda não conta com uma legislação federal específica que proteja os direitos dos pacientes. Para assegurar de forma integral sua autonomia, é preciso usar como referência as normas constitucionais que garantem os direitos humanos em geral.Resulta dessa deficiência legislativa a única referência constitucional para lidar com casos que tratam dos direitos dos pacientes: as regras do Conselho Federal de Medicina (CFM)7, que não são juridicamente vinculantes nem equilibradas, visto que não conside-ram a posição do paciente. A falta de equilíbrio não surpreende, pois foram elaboradas por médicos para proteger seus próprios interesses, em vez das demandas dos pacientes8. Assim, na ausência de uma legislação protetora, ao se depararem com esse complexo tema, vários tribunais têm desconsiderado por completo o direito do paciente à autodetermi-nação e simplesmente têm seguido as recomendações médicas. Uma análise da situação atual confirma que, apesar de algum progresso, são necessários aprimoramentos para os tribunais se harmonizarem com a jurisprudência internacional de direitos humanos.A regulamentação deficiente do CFM não responde a diversas questões fundamentais relacionadas ao direito do paciente à autodeterminação. Por exemplo: o médico deve respeitar a recusa de um paciente com câncer a tratamentos de quimioterapia e radioterapia ? E se o paciente não aceita a amputação de uma das pernas, intervenção considerada necessária para salvar-lhe a vida? Se um paciente opta pela recusa a uma terapia considerada capaz de salvar-lhe a vida, pode um médico anular aquela decisão? Se um paciente testemunha de Jeová (PTJ) rejeita uma terapia recomendada pelo médico e solicita uma alternativa que evite a transfusão de sangue, o hospital pode negar a internação? Um médico é responsável por violação física sem consentimento, se em sua opinião o tratamento salvou a vida do paciente?Na ausência de legislação específica para resolver essas questões, médicos e juristas têm-se debruçado detidamente sobre questões existenciais para definir os contornos e os limites da autonomia do paciente. Este artigo não tenta responder a essas questões filo-sóficas ou morais; porém, com base em decisões internacionais e de tribunais superiores que lidaram com essas questões desafiadoras, descreve uma metodologia para resolvê-las em harmonia com princípios jurídicos, éticos e médicos. A fim de examiná-las, adotou-se a abordagem de estudo de caso; com esteio na análise de casos jurídicos envolvendo um grupo específico, investigou-se como a jurisprudência nacional e a internacional têm enfrentado 6 Por exemplo, o Pacto internacional sobre os direitos econômicos, sociais e culturais, ratificado pelo Decreto no 591, 6/7/1992 (Brasil, 1992a).7 Uma função do CFM era “votar e alterar o Código de Deontologia Médica” (Lei no 3.268/1957), hoje conhecido como Código de ética médica (Brasil, [2023b]).8 O CFM é uma autarquia responsável por supervisionar a ética profissional médica e fiscalizar o seu exercício. Segundo a jurisprudência, as normas elaboradas por ele não têm caráter de lei, pois o poder de legislar “é exer-cido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal” (Brasil, [2023a]). O Superior Tribunal de Justiça já decidiu em diversas ocasiões que as disposições do Código de ética médica não se enquadram no conceito de lei (Brasil, 2004, 2009, 2012a).14 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11desafios relacionados à autonomia do paciente, como a rejeição a transfusões de sangue por um PTJ. De fato, os princípios e as conclusões provenientes desses casos podem ser aplicados a todos os pacientes, tal como o reconhece o Supremo Tribunal Federal (STF): “A análise do Direito Comparado pode servir, especialmente para assuntos polêmicos, como um impor-tante meio de se buscarem respostas a questionamentos nacionais” (Brasil, 2011b, p. 168).Publicações jurídicas e médicas têm admitido que “o estudo das questões relacionadas à recusa de consentimento é inspirado, em grande parte, pela posição adotada pelas testemu-nhas de Jeová em relação às transfusões de sangue” (Sobolewski, 2019, p. 137, tradução nossa)9. Desse modo, ao menos por duas razões é produtivo proceder ao estudo de caso em que um PTJ insiste em tratamento médico e cirúrgico que evite a transfusão de sangue alogênico10. Primeira: para os médicos e os juízes, tais questões jurídicas frequentemente envolvem direitos fundamentais concorrentes; no caso de um PTJ, ao direito à vida contrapõem-se o direito à autodeterminação e o direito à liberdade religiosa; em outras situações, a escolha do tratamento de um paciente talvez não se firme nesses direitos fundamentais, como no caso de ele rejeitar o tratamento recomendado pelo médico porque deseja manter seu corpo intacto ou queira evitar certos efeitos colaterais de um tratamento. Segunda razão: há discordância quanto ao fato de não se poder resolver a intervenção médica por meio de concessões, pois o PTJ rejeita quaisquer tratamentos envolvendo o sangue total ou seus componentes primários11. Tais casos suscitam questões sensíveis que os juízes devem resol-ver para fornecer diretrizes sólidas a serem seguidas pelos profissionais da área médica.Cinco questões balizam o artigo: a) um paciente pode ser forçado a submeter-se a um tratamento contra a sua vontade?; b) se o paciente estiver inconsciente ou numa situação de emergência, é possível usar à força uma terapia sabidamente inaceitável para ele?; c) um médico pode recusar-se a tratar um paciente que rejeita um tratamento que, na opinião do médico, é capaz de lhe salvar a vida?; d) o médico pode ser responsabilizado por respeitar a vontade do paciente, caso este morra?; e e) o médico será responsabilizado se descon-siderar a vontade de um paciente adulto e capaz, e administrar um tratamento à força? Quanto à jurisprudência, este estudo comparativo concentra-se na abordagem judicial estabelecida pelas supremas cortes de países que têm desenvolvido e mantido os mais altos padrões de proteção aos direitos humanos. Procedeu-se a uma busca em nível mundial e encontrou-se mais de uma dúzia de sentenças de cortes supremas que abordam o direito 9 No original: “the study of issues related to the refusal of consent is inspired, to a considerable extent, by the position of Jehovah’s Witnesses on blood transfusion”.10 Celso Ribeiro Bastos emitiu o seguinte parecer: “[esta é] uma matéria extremamente delicada, que de há muito tempo vem sendo objeto de acirradas discussões no campo médico e jurídico” (Bastos, 2001, p. 494).11 Os adeptos da religião Testemunhas de Jeová consideram sagrado o sangue, pois seguem a orientação bíblica de “vos abstenhais […] do sangue” (Atos […], c2024, cap. 15, vers. 29, cap. 21, vers. 25). Por isso, abstêm-se de transfusões de sangue completo ou de qualquer um dos seus componentes primários (glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas e plasma). Testemunhas de Jeová, no entanto, talvez decidam aceitar alguns procedimentos envolvendo o uso de derivados de um dos componentes primários do sangue ou outros procedimentos em que se usa o seu próprio sangue; elas aceitam tratamento médico que não entre em conflito com as suas crenças religiosas e afirmam dar muito valor à vida (Por que […], c2024). Ver também o documento Cuidados com a saúde no site oficial dessa corrente religiosa (Testemunhas de Jeová, c2022).15RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11à autodeterminação do PTJ quando hospitais contestaram as suas decisões médicas. Este trabalho inclui jurisprudência bem estabelecida de cortes americanas em nível federal e estadual, bem como sentenças da Corte Europeia dos Direitos Humanos (CEDH) e da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH). Em seguida, comparam-se os padrões estabelecidos por essa ampla amostra de jurisprudência com a legislação e a jurisprudência brasileiras, a fim de identificar inconsistências ou lacunas.2 O paciente adulto competente recusa um tratamentoOs países democráticos reconhecem o direito de um paciente adulto competente à recusa de tratamentos médicos em situações em que não há risco para a vida ou em situações não emergenciais; e o Brasil ratificou leis internacionais que, de modo geral, protegem o direito de alguém decidir sobre o que será feito ou não com o seu próprio corpo12.Os princípios que fundamentam os cuidados de saúde exigem que toda intervenção médica seja adaptada às particularidades do paciente e às suas circunstâncias (idade, his-tórico médico, estado de saúde, preferências). Conforme Vidlička, Zibar, Čizmić e Grđan (2017, p. 93, tradução nossa), é um fato médico que as cirurgiasnão podem ser vistas de forma genérica. Cada cirurgia tem suas especificidades rela-cionadas ao modo como é realizada, de acordo com os padrões da profissão médica. Consequentemente, a maneira como a cirurgia alivia, corrige o dano ou cura o paciente depende de seu estado geral e específico de saúde, do tratamento atual da condição para a qual a cirurgia é indicada, do possível tratamento de outras doenças, de deter-minados medicamentos que impedem a coagulação, do comportamento do paciente no que diz respeito a sua própria saúde (ou seja, dependência de álcool ou drogas) ou de sua disciplina em relação à saúde etc.1312 A Convenção americana sobre direitos humanos (CADH), ratificada pelo Decreto no 678/1992 (Brasil, 1992c), estabelece o direito à integridade física, psíquica e moral (art. 5.1), do qual emanam os princípios da autonomia pessoal e do consentimento. A CADH também proíbe a tortura ou o tratamento cruel, desumano ou degradante (art. 5.2); consagra o direito à liberdade (art. 7.1); a proteção da honra e da dignidade (art. 11); a liberdade de religião (art. 12); e o direito a um recurso simples e rápido perante os juízes ou tribunais competentes que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais (art. 25.1). O Pacto internacional sobre direitos civis e políticos, ratificado pelo Decreto no 592/1992 (Brasil, 1992b), declara a garantia de direitos sem discriminação, inclusive o direito à religião (art. 2o); proíbe a tortura ou tratamento degradante (art. 7o); garante o direito à liberdade de religião (art. 18) e a proteção de minorias religiosas (art. 27). De modo similar, o Pacto internacional sobre direitos econômicos, sociais e culturais, ratificado pelo Decreto no 591/1992 (Brasil, 1992a), assegura direitos sem discriminação, inclusive o direito à religião (art. 2o).13 No original: “Kirurški zahvati ne mogu se promatrati generalistički. Svaki kirurški zahvat ima svoje specifičnosti vezane uz način njegova izvođenja u skladu sa standardima liječničke struke. Zatim, način na koji će se kirurškim zahvatom ublažiti, popraviti oštećenje ili liječiti pacijent ovisi o njegovu općem i specifičnome zdravstvenom stanju, dosadašnjem liječenju stanja zbog kojega je indiciran kirurški zahvat, eventualnom liječenju drugih bolesti, uzimanju određenih lijekova koji sprječavaju zgrušavanje krvi, pacijentovu ponašanju prema vlastitom zdravlju (npr., ovisnosti o alkoholu ili drogama) ili njegovoj zdravstvenoj disciplini itd”.16 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Tanto os países de direito consuetudinário quanto os de direito civil sustentam que é basilar obter o consentimento informado do paciente para o tratamento médico; sua importância foi explicada pela Corte IDH em Poblete Vilches e Outros vs. Chile:[A] Corte reconheceu a relação […] entre a obtenção do consentimento informado antes da realização de qualquer ato médico e a autonomia e autodeterminação do indivíduo como parte do respeito e garantia do direito à dignidade de toda pessoa humana, bem como seu direito à liberdade. Portanto, a Corte entende que a necessidade de obter o consentimento informado protege não apenas o direito dos pacientes de decidir livremente se desejam ou não se submeter a um ato médico, mas que é um mecanismo fundamental para alcançar o respeito e a garantia de diversos direitos humanos reconhecidos pela Convenção americana, tais como a dignidade, a liberdade pessoal, a integridade pessoal, incluindo a assistência à saúde, a vida privada e familiar. Dessa forma, a existência de uma relação entre o consentimento informado e a autonomia pessoal e a liberdade de tomar decisões sobre o próprio corpo e a própria saúde exige, por um lado, que o Estado assegure e respeite as decisões e escolhas tomadas de forma livre e responsável e, por outro, que seja garantido o acesso às informações relevantes para que a pessoa esteja em condições de tomar decisões informadas sobre o que fazer em relação ao seu corpo e a sua saúde, de acordo com seu próprio projeto de existência (Inter-American Court of Human Rights, 2018, p. 52, tradução nossa)14.Os médicos também devem considerar as crenças religiosas, éticas e morais de um paciente ao estabelecerem um plano de tratamento; se o paciente se opõe a uma terapia ou a um procedimento específico, o tratamento médico deve ser modificado de acordo com sua vontade e preferências. De modo similar, o paciente que recusa uma transfusão de sangue deve receber o tratamento ou procedimento apropriado ao que ele consentiu (Vidlička; Zibar; Čizmić; Grđan, 2017).Em termos práticos, pois, quando se depara com a recusa de um adulto consciente a um tratamento, o médico deve seguir três passos estabelecidos pela CEDH: a) determinar se a recusa ao tratamento médico é válida, verificando se o paciente tem capacidade de tomar decisões (European Court of Human Rights, 2013); b) determinar se ele recebeu informações suficientes quando aceitou ou recusou o tratamento médico e se a equipe 14 No original: “[T]he Court has recognized the relationship […] between obtaining informed consent before performing any medical act, and the autonomy and self-determination of the individual, as part of the respect and guarantee of the dignity of every human being, as well as the right to liberty. Therefore the Court understands that the need to obtain informed consent protects not only the right of patients to decide freely whether or not they wish to undergo a medical act, but is also a fundamental mechanism to achieve the respect and guarantee of different human rights recognized by the American Convention, such as dignity, personal liberty, personal integrity, including health care, and private and family life. Thus, the existence of a connection between informed consent and the personal liberty and autonomy to take decisions regarding one’s own body and health requires, on the one hand, that the State ensure and respect the decisions and choices made freely and responsibly and, on the other hand, that it ensure access to relevant information so that the individual is able to take informed decisions on the course of action to follow with regard to his body and health in accordance with his personal life plan”.17RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11médica obteve o seu consentimento informado (European Court of Human Rights, 2011); e c) determinar se a decisão do paciente reflete sua verdadeira vontade e preferências e se não foi tomada sob coação ou influência indevida (European Court of Human Rights, 2016).Esse procedimento analítico de três passos, que reconhece o direito à autodeterminação e ao consentimento informado, é reconhecido pela jurisprudência brasileira. Ao decidir em 2012 sobre a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 54, o plenário do STF determinou que ao “Estado não é dado intrometer-se. Ao Estado compete apenas se desincumbir do dever de informar e prestar apoio médico e psicológico à paciente, antes e depois da decisão, seja ela qual for […]. Compete ao Supremo assegurar o exercício pleno da liberdade de escolha situada na esfera privada” (Brasil, 2012b, p. 66-68). O direito ao consentimento informado também foi protegido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) numa decisão de 2018 segundo a qualo princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações (Brasil, 2018, p. 11).Anos depois, o STJ decidiu quetodo paciente possui, como expressão do princípio da autonomia da vontade (autode-terminação), o direito de saber dos possíveis riscos, benefícios e alternativas de um determinado procedimento médico, possibilitando, assim, manifestar, de forma livre e consciente, o seu interesse ou não na realização da terapêutica envolvida, por meio do consentimento informado (Brasil, 2022, p. 16).Além disso, esclareceu quea informação prestada pelo médico ao paciente, acerca dos riscos, benefícios e alter-nativas ao procedimento indicado, deve ser clara e precisa, não bastando que o pro-fissional de saúde informe, de maneira genérica ou com termos técnicos, as eventuais repercussões no tratamento, o que comprometeria o consentimento informado do paciente, considerando a deficiência no dever de informação. Com efeito, não se admite o chamado blanket consent, isto é, o consentimento genérico, em que não há individua-lização das informações prestadas ao paciente, dificultando, assim, o exercício de seu direito fundamental à autodeterminação (Brasil, 2022, p. 17).18 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Alguns tribunais de apelação também confirmaram o direito de um PTJ de recusar transfusões de sangue. Em 2007, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) declarou num agravo de instrumento em favor de um PTJ quea recusa do agravante em submeter-se à transfusão de sangue é providência legítima desde que não esteja inconsciente e possua condições de externar juízo de valor sobre os procedimentos necessários à conservação de sua vida […]. Aparentemente, a direito à vida não se exaure somente na mera existência biológica, sendo certo que a regra constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser ajustada ao aludido preceito fundamental para encontrar-se convivência que pacifique os interesses das partes. Resguardar o direito à vida implica, também, em preservar os valores morais, espirituais e psicológicos que se lhe agregam (Minas Gerais, 2007).Além do TJMG, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu em 2010 que “não pode o Estado autorizar determinada e específica […] intervenção médica em uma paciente que expressamente não aceite, por motivo de fé religiosa, o sangue transfundido” (Rio Grande do Sul, 2010). O Tribunal Regional Federal da Primeira Região sustentou o mesmo entendimento em 2016:É lícito que a pessoa enferma e no pleno exercício de sua capacidade de expressão e manifestação de vontade, de modo claro e induvidoso, recuse determinada forma de tratamento que lhe seja dispensado, não se evidenciando nesse caso lesão ao bem maior da vida, constitucionalmente tutelado, mas se configurando, de outro modo, o efetivo exercício de conduta que assegura o também constitucional direito à dignidade e à liberdade pessoal (Brasil, 2016).Todavia, questiona-se: na falta de legislação clara e específica que reconheça o direito absoluto à autodeterminação de um paciente adulto capaz, o que acontece numa situação em que há risco para a vida? Em situações emergenciais, os médicos simplesmente rea-lizam os tratamentos e técnicas mais comuns, sem levar em conta o direito do paciente à autodeterminação? Em suma: os tribunais brasileiros protegem a autonomia dos pacientes? Ou protegem médicos que ignoram a vontade do paciente?3 Um paciente adulto competente recusa terapia que o médico considera capaz de salvar-lhe a vidaTribunais em todo o mundo têm aceitado a premissa moral do juiz Benjamin Cardozo (New York, 1912, tradução nossa) de que “todo ser humano adulto e com a mente sã tem 19RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11o direito de determinar o que deve ser feito com seu próprio corpo”15. Contudo, acidentes ou situações de emergência ou com risco para a vida colocam os profissionais da área jurídica e médica diante de dois dilemas: a) as decisões médicas que um paciente tomou antes de se tornar inconsciente devem ser respeitadas se ele não puder mais consentir ou rejeitar algum tratamento médico específico?; e b) o paciente tem o direito de recusar um tratamento que se considera capaz de salvar-lhe a vida? Em relação às duas questões, as leis brasileiras estão aquém dos padrões internacionais pelos motivos expostos a seguir.3.1 O paciente inconscienteMuitos países democráticos têm assegurado que a vontade de um paciente inconsciente seja respeitada mediante leis que reconheçam a validade da diretiva médica antecipada (DMA) – documento que permite que uma pessoa expresse antecipadamente suas pre-ferências em relação a tratamentos médicos, caso venha a ficar inconsciente depois. No Brasil, contudo, ainda não há lei que reconheça as DMAs.Vários casos em outros países abrangeram diretamente a questão da validade de uma DMA recusando transfusões de sangue. O mais notório dentre eles talvez tenha sido o julgado pelo Tribunal de Apelação de Ontário (Canadá) – o caso Malette vs. Shulman, envolvendo um PTJ que ficou inconsciente depois de grave acidente automobilístico (Ontario, 1990). Apesar de a equipe médica ter sido avisada de que a vítima carregava na bolsa uma DMA em que recusava transfusões de sangue, ela recebeu uma transfusão no pronto-socorro. O Tribunal de Apelação de Ontário confirmou a decisão de um tribunal de instância inferior de que, embora a paciente estivesse inconsciente quando deu entrada no hospital, sua expressa recusa de sangue devia ter sido respeitada.Mais recentemente, na decisão do caso Testemunhas de Jeová de Moscou e outros vs. Rússia, a CEDH também reconheceu o valor jurídico das DMAs:139. […] parece que muitas testemunhas de Jeová fizeram uma escolha deliberada de recusar as transfusões de sangue com antecedência, sem as limitações impostas pelo tempo em uma situação de emergência, o que é confirmado pelo fato de elas se terem 15 No original: “every human being of adult years and sound mind has a right to determine what shall be done with his own body”. A origem histórica do princípio da autodeterminação remonta ao início do século XX, na jurisprudência norte-americana, tal como o caso Mohr, da Suprema Corte de Minnesota (1905), que foi sucedido em 2012 pelo mais conhecido caso Schloendorff, do Tribunal de Apelações de Nova Iorque, no qual o juiz Benjamin Cardozo introduziu o critério da autodeterminação: “todo ser humano adulto e capaz tem o direito de decidir o que deve ser feito com seu corpo; um cirurgião que realiza uma operação sem o consentimento de seu paciente comete uma agressão, pela qual responderá por danos” (New York, 1912, tradução nossa); no original: “every adult and capable human being has the right to determine what should be done with his body; a surgeon who performs an operation without his patient’s consent commits an assault, for which he will answer for damages”.20 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11preparado para emergências preenchendo cartões “Sem sangue” e carregando-os em suas bolsas (European Court of Human Rights, 2010, tradução nossa)16.Mesmo na ausência de DMAs, os tribunais também têm sustentado que, se um paciente perde a consciência durante uma cirurgia, a equipe médica deve respeitar as decisões pré--operatórias do paciente cuja preferência seja clara e convincente. Por exemplo, no caso Harvey vs. Strickland, um cirurgião dos EUA realizou uma operação eletiva num paciente que ele sabia ser testemunha de Jeová e que não teria consentido numa transfusão de sangue (South Carolina, 2002). Ao surgirem complicações após a cirurgia, o médico obteve permis-são da mãe do paciente, que não era testemunha de Jeová, para realizar uma transfusão no paciente, que ainda não tornara à consciência. A Suprema Corte da Carolina do Sul decidiu que era legalmente irrelevante o fato de a emergência médica ter surgido no pós-operatório e explicou: “A vontade de um paciente contra tratamento ou intervenção médica, quando comunicada a um médico antes da cirurgia, deve ser respeitada pelo médico responsável” (South Carolina, 2002, p. 5, tradução nossa)17.A CEDH também ressaltou essa obrigação no caso Lambert vs. France. Nele a questão era se as autoridades francesas estariam violando o direito à vida ao interromper a adminis-tração de cuidados paliativos a um paciente em estado neurovegetativo. Concentrando-se na questão mais decisiva desse caso, a CEDH sustentou que “o paciente é a parte principal no processo de tomada de decisão e seu consentimento deve permanecer no centro; isso é verdadeiro mesmo quando o paciente não consegue expressar a sua vontade” (European Court of Human Rights, 2015, tradução nossa)18. De modo similar, em Soares de Melo vs. Portugal, a CEDH sustenta que,na esfera da assistência médica, a imposição de um tratamento sem o consentimento livre, explícito e esclarecido de uma pessoa adulta no pleno gozo das suas capacidades mentais não estaria em conformidade com o direito à integridade física e, a fortiori, com a Convenção […]. Um modo de proceder semelhante deve ser considerado incompatível com o respeito da liberdade e da dignidade do homem, que constitui um dos princí-pios fundamentais da Convenção (Corte Europeia de Direitos Humanos, 2016, § 109).Em concordância com isso, três supremas cortes abordaram esta questão: a vontade e a preferência de um PTJ inconsciente devem ser consideradas e respeitadas numa situação de emergência? As três cortes concordaram tanto em sua abordagem quanto em 16 No original: “139. […] it appears that many Jehovah’s Witnesses have made a deliberate choice to refuse blood transfusions in advance, free from time constraints of an emergency situation, which is borne out by the fact that they had prepared for emergencies by filling out ‘No Blood’ cards and carrying them in their purses”.17 No original: “A patient’s wishes against medical treatment or intervention, when made known to a physician prior to surgery, must be followed by the attending physician”.18 No original: “it is the patient who is the principal party in the decision-making process and whose consent must remain at its center; this is true even where the patient is unable to express his or her wishes”.21RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11suas conclusões. A Suprema Corte da Polônia decidiu que “a diretiva médica do paciente preparada com antecedência em caso de coma, que consiste no desejo de ser tratado por um médico em situações que podem ser previstas no futuro, é vinculante para um médico se tiver sido feita de forma explícita, clara e inequívoca” (Poland, 2005, p. 1, tradução nossa)19. A Suprema Corte de Porto Rico destacou a preeminência da vontade do paciente ao estabelecer que “nem o representante do paciente nem seus familiares podem recusar ou consentir na administração de determinado tratamento médico se não apresentarem evidências de que essa teria sido a vontade do paciente naquelas circunstâncias” (Puerto Rico, 2010, tradução nossa)20. Na Argentina, a Corte Suprema de Justicia de la Nación ressaltou que umaresolução judicial que autorize a submissão de uma pessoa adulta a um tratamento contra sua vontade não seria constitucionalmente justificada quando a decisão do indivíduo tiver sido tomada com pleno discernimento e não afetar diretamente os direitos de terceiros. Portanto, desde que uma pessoa não ofenda a ordem, a moral pública ou os direitos de outros, seu comportamento, mesmo que seja público, pertence a sua esfera privada e deve ser respeitado, ainda que seja preocupante para terceiros ou não esteja de acordo com os padrões de comportamento coletivo (Argentina, 2012, tradução nossa)21.Tribunais superiores estrangeiros têm rejeitado argumentos de que os pacientes podem ter mudado de ideia entre o momento em que assinaram a DMA e o momento em que ficaram inconscientes. Esses tribunais mantiveram as escolhas do paciente expressas nas DMAs; em vez de cogitarem da possibilidade de o paciente ter mudado de ideia numa situação crítica, esses tribunais mantiveram a expressão inequívoca e conhecida da vontade do paciente.Até o momento, o Brasil não conseguiu estabelecer o reconhecimento legal da DMA de um adulto competente. Por não acompanhar outras jurisprudências democráticas, o sistema jurídico do País deixa um adulto informado e competente sem meios legais de garantir que a sua vontade será respeitada caso fique inconsciente.19 No original: “the patient’s medical directive prepared in advance in case of a coma, which consists of one’s wish to be treated by a medical practitioner in situations may be anticipated in the future, is binding for a doctor if it was done explicitly, clearly and without any doubts”.20 No original: “ni un subrogado, ni un familiar de un paciente pueden rechazar o consentir la administración de cierto tratamiento médico si no presentan prueba de que esa hubiese sido la voluntad del paciente en tales circunstancias”.21 No original: “una resolución judicial que autorizara a someter a una persona adulta a un tratamiento sanitario en contra de su voluntad, cuando la decisión del individuo hubiera sido dada con pleno discernimiento y no afectara directamente derechos de terceros. Así, mientras una persona no ofenda al orden, a la moral pública, o a los derechos ajenos, sus comportamientos incluso públicos pertenecen a su privacidad, y hay que respetarlos aunque a lo mejor resulten molestos para terceros o desentonen con pautas del obrar colectivo”.22 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p113.2 A rejeição de uma terapia que os médicos consideram capaz de salvar a vidaApesar de reconhecer o direito pessoal à autodeterminação, a maioria dos tribunais superiores tem dificuldades em saber se os interesses do Estado podem sobrepor-se a esse direito na circunstância extrema em que os médicos acreditam que determinada interven-ção é necessária para evitar um resultado fatal. Nos EUA, por exemplo, alguns tribunais equilibraram os interesses conflitantes e consideraram que odireito de recusar tratamento médico […] não é absoluto. O Estado pode intervir num determinado caso se os interesses do Estado superarem os interesses do paciente em recusar o tratamento médico […]. De modo geral, os tribunais consideram quatro interesses do Estado – a preservação da vida, a prevenção do suicídio, a proteção de terceiros e a integridade ética da profissão médica – ao decidirem se devem anular decisões competentes sobre tratamento (Florida, 1989, tradução nossa)22.Embora concordem em que o direito do paciente de recusar tratamento médico não é absoluto, muitos tribunais chegaram ao entendimento de que, em casos envolvendo PTJ, nenhum dos quatro interesses do Estado citados pode sobrepor-se à recusa de transfusões de sangue de um adulto competente; e firmaram que o “direito de um paciente de recusar o tratamento de manutenção da vida foi reconhecido nesses casos, não porque o Estado considerasse suas vidas sem valor, mas porque o Estado valorizava o direito da pessoa de decidir que tipo de tratamento deveria receber em circunstâncias específicas” (New York, 1990, p. 60, tradução nossa)23. No caso Pretty vs. Reino Unido, a CEDH decidiu quea capacidade de conduzir a vida de acordo com a própria escolha também pode incluir a oportunidade de praticar atividades consideradas física ou moralmente prejudiciais ou perigosas para o indivíduo em questão. […] No entanto, mesmo quando a conduta representa perigo para a saúde ou quando possivelmente oferece risco de vida, a jurisprudência das instituições da Convenção tem considerado a imposição de medi-das compulsórias ou criminais pelo Estado como uma violação da vida privada do 22 No original: “The right to refuse medical treatment, […] is not absolute. The State may intervene in a given case if the State’s interests outweigh the interests of the patient in refusing medical treatment. […] Generally, courts consider four State interests – the preservation of life, the prevention of suicide, the protection of third parties, and the ethical integrity of the medical profession – when deciding whether to override competent treatment decisions”.23 No original: “The right of a patient to decline life-sustaining treatment was recognized in these cases, not because the State considered their lives worthless, but because the State valued the right of the individual to decide what type of treatment he or she should receive under particular circumstances”.23RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11requerente no sentido do Artigo 8 § 1, e exigindo justificativa nos termos do segundo parágrafo (European Court of Human Rights, 2002, tradução nossa)24.Por isso, em casos em que um PTJ recusa transfusões de sangue, os tribunais têm enfatizado a supremacia do direito do paciente à autodeterminação do corpo. Um conceito jurídico recente na área da saúde postula que a pessoa é a verdadeira soberana do seu corpo e somente ela tem o direito de decidir, com a consequência de que o equilíbrio entre o que é ou não correto não pode ser determinado de acordo com uma escala de valores diferente da do paciente. Desse modo, mais que simples objeto de assistência médica, o paciente está no centro do processo de cuidado, em que os médicos explicam as opções de tratamento, seus riscos e benefícios e, em seguida, permitem que os pacientes tomem a decisão final sobre a estratégia terapêutica que melhor responde à sua visão de vida e saúde.De fato, houve uma mudança nas supremas cortes que tratam da questão da autode-terminação de um PTJ. Em países como Grã-Bretanha, África do Sul, Porto Rico, Canadá, Suécia e Itália, elas têm firmado o direito de um PTJ de escolher tratamento médico que reduz a perda sanguínea e evita a transfusão de sangue alogênico, em harmonia com sua consciência religiosa:Prima facie, todo adulto tem o direito e a capacidade de decidir se aceitará ou não um tratamento médico, mesmo que a recusa possa causar danos permanentes a sua saúde ou até mesmo levar à morte prematura. Além disso, não importa se os motivos para a recusa foram racionais ou irracionais, desconhecidos ou até mesmo inexistentes. Isso ocorre independentemente do forte interesse público em preservar a vida e a saúde de todos os cidadãos (Great Britain, 1992, tradução nossa)25.Evidentemente cabe ao paciente, no exercício de seu direito fundamental à autodeter-minação, decidir se deseja submeter-se a uma operação e, em princípio, é totalmente irrelevante que a atitude do paciente seja grosseiramente irracional aos olhos da pro-fissão médica: o direito do paciente à integridade corporal e à autonomia moral lhe dá o direito de recusar o tratamento médico (South Africa, 1994, p. 410, tradução nossa)26.24 No original: “the ability to conduct one’s life in a manner of one’s own choosing may also include the opportunity to pursue activities perceived to be of a physically or morally harmful or dangerous nature for the individual concerned. […] However, even where the conduct poses a danger to health or, arguably, where it is of a life-threatening nature, the case-law of the Convention institutions has regarded the State’s imposition of compulsory or criminal measures as impinging on the private life of the applicant within the meaning of Article 8 § 1 and requiring justification in terms of the second paragraph”.25 No original: “Prima facie every adult has the right and capacity to decide whether or not he will accept medical treatment, even if a refusal may risk permanent injury to his health or even lead to premature death. Furthermore, it matters not whether the reasons for the refusal were rational or irrational, unknown or even non-existent. This is so notwithstanding the very strong public interest in preserving the life and health of all citizens”.26 No original: “It is clearly for the patient, in the exercise of his or her fundamental right to self-determination, to decide whether he or she wishes to undergo an operation, and it is in principle wholly irrelevant that the patient’s attitude is grossly unreasonable in the eyes of the medical profession: the patient’s right to bodily integrity and autonomous moral agency entitles him or her to refuse medical treatment”.24 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11De acordo com o direito à privacidade consagrado em nossa Constituição e com o direito à liberdade do devido processo legal, todo paciente tem o direito de tomar decisões sobre seu tratamento médico. Isso inclui o direito de aceitar ou recusar determinado plano de ação relativo ao seu tratamento de saúde, independentemente de doenças ou diagnósticos específicos, mesmo que essa recusa possa resultar na morte da pessoa (Puerto Rico, 2010, tradução nossa)27.O direito à autodeterminação médica não é invalidado pelo fato de que riscos ou consequências graves, inclusive a morte, podem decorrer da decisão do paciente. É esse mesmo princípio que está em vigor nos casos que tratam do direito de recusar o consentimento para tratamento médico ou de exigir que o tratamento seja retirado ou interrompido (Canada, 2015, tradução nossa)28.Desse modo, não se pode dizer que um indivíduo que opte por exercer seu direito de recusar determinado tratamento médico esteja agindo de forma inconsistente com os valores fundamentais da sociedade. Pelo contrário, em nossa sociedade democrática, o respeito à privacidade e à autonomia individual deve permitir que um paciente recuse um tratamento, mesmo que pareça clinicamente necessário e mesmo que sua escolha pareça irracional. O fato de a escolha ser baseada em crenças religiosas ou outros motivos é irrelevante nesse caso (Sweden, 2017, p. 12, tradução nossa)29.A testemunha de Jeová que invoca o direito à autodeterminação no que diz respeito ao tratamento de saúde, a fim de proteger a liberdade de professar a sua fé religiosa, tem o direito de recusar a transfusão de sangue ainda que tenha consentido num tratamento diferente que posteriormente exigiu uma transfusão – inclusive por meio de uma diretiva feita antes do próprio tratamento, desde que ela demonstre inequi-vocamente a vontade de impedir a transfusão, mesmo em caso de risco de vida (Italia, 2020, p. 14-15, tradução nossa)30.27 No original: “A tenor del derecho de intimidad consagrado en nuestra Constitución y del interés libertario protegido por el debido proceso de ley, todo paciente tiene derecho de tomar decisiones sobre su tratamiento médico. Ello incluye el derecho de aceptar o rechazar determinado curso de acción relacionado con su cuidado médico, sin sujeción a diagnósticos particulares o condiciones específicas, aun cuando dicho rechazo pudiese resultar en la muerte de la persona”.28 No original: “The right of medical self-determination is not vitiated by the fact that serious risks or consequences, including death, may flow from the patient’s decision. It is this same principle that is at work in the cases dealing with the right to refuse consent to medical treatment or to demand that treatment be withdrawn or discontinued”.29 No original: “Thus, an individual who chooses to exercise his right to refuse a particular medical treatment cannot be said to be acting in a manner inconsistent with the fundamental values of society. On the contrary, in our democratic society, respect for individual privacy and autonomy must allow for a patient to refuse treatment, even if it appears medically necessary and even if his choice may seem irrational. Whether the choice is based on religious beliefs or other reasons is irrelevant in this case”.30 No original: “il Testimone di Geova, che fa valere il diritto di autodeterminazione in materia di trattamento sanitario a tutela della libertà di professare la propria fede religiosa, ha il diritto di rifiutare l’emotrasfusione pur avendo prestato il consenso al diverso trattamento che abbia successivamente richiesto la trasfusione, anche con dichiarazione formulata prima del trattamento medesimo, purché dalla stessa emerga in modo inequivoco la volontà di impedire la trasfusione anche in ipotesi di pericolo di vita”.25RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Dentre os mencionados quatro interesses do Estado, o mais debatido talvez seja o de proteger a terceiros; geralmente envolvem mulheres grávidas ou pais cuja vida está em risco. Todavia, mesmo nesses casos, os tribunais chegaram ao entendimento de queo direito da mulher de recusar tratamento médico invasivo, derivado dos direitos à privacidade, integridade física e liberdade religiosa, não diminui durante a gravidez. A mulher mantém o mesmo direito de recusar tratamento invasivo que ela pode exercer quando não está grávida, mesmo que seja para salvar vidas ou de outra forma benéfico. O impacto em potencial sobre o feto não é legalmente relevante (Illinois, 1994, tradução nossa)31.Em 2016 a Corte IDH decidiu em I.V. vs. Bolívia que uma intervenção médica realizada sem consentimento (nesse caso, uma esterilização) “constituiu um tratamento cruel, desu-mano e degradante, contrário à dignidade da pessoa humana e, portanto, configurou uma violação dos Artigos 5.1 e 5.2 da Convenção americana sobre direitos humanos, em relação ao Artigo 1.1, em detrimento da Sra. I.V”32 (Inter-American Court of Human Rights, 2016, p. 85, tradução nossa)33. Notavelmente, esse caso explorou com mais profundidade o chamado consentimento informado. Vários julgamentos da CEDH foram considerados pela Corte IDH, a qual determinou que, para o consentimento de um paciente ser informado, o médico já lhe deve ter fornecido informações suficientes sobre os tratamentos alternativos disponíveis. Por fim, a sentença declarou por unanimidade que “o Estado é responsável pela violação dos direitos à integridade pessoal, à liberdade pessoal, à dignidade, à vida privada e familiar, ao acesso à informação e a fundar uma família, reconhecidos nos artigos 5.1, 7.1, 11.1, 11.2, 13.1 e 17.2 da Convenção americana sobre direitos humanos” (Inter-American Court of Human Rights, 2016, p. 109, tradução nossa)34. Esse raciocínio poderia ser aplicado à obrigação de um médico de informar um PTJ sobre outras abordagens terapêuticas disponíveis que não envolvam transfusão de sangue.No já citado Testemunhas de Jeová de Moscou e outros vs. Rússia, a CEDH examinou a legi-timidade da recusa de transfusões de sangue por um PTJ quando o governo russo alegou 31 No original: “a woman’s right to refuse invasive medical treatment, derived from her rights to privacy, bodily integrity, and religious liberty, is not diminished during pregnancy. The woman retains the same right to refuse invasive treatment, even of lifesaving or other beneficial nature that she can exercise when she is not pregnant. The potential impact upon the fetus is not legally relevant”.32 No original: “constituted cruel, inhuman and degrading treatment, contrary to human dignity and, therefore, constituted a violation of Article 5(1) and 5(2) of the American Convention, in relation to Article 1(1) of this instrument, to the detriment of I.V”.33 O mesmo princípio foi afirmado no caso V.C. vs. Eslováquia da CEDH (European Court of Human Rights, 2011, § 106-120).34 No original: “The State is responsible for the violation of the rights to personal integrity, to personal liberty, to dignity, to private and family life, of access to information, and to raise a family, recognized in Articles 5(1), 7(1), 11(1), 11(2), 13(1) and 17(2) of the American Convention on Human Rights”.26 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11que essas escolhas médicas eram um motivo válido para proibir as organizações locais das testemunhas de Jeová:135. A própria essência da Convenção é o respeito à dignidade humana e à liberdade humana, e as noções de autodeterminação e autonomia pessoal são princípios impor-tantes subjacentes à interpretação de suas garantias […]. A capacidade da pessoa de conduzir sua vida de acordo com sua própria vontade inclui a oportunidade de exer-cer atividades consideradas de natureza fisicamente prejudicial ou perigosa para o indivíduo em questão.A liberdade de aceitar ou recusar um tratamento médico específico, ou de escolher uma forma alternativa de tratamento, é vital para os princípios de autodeterminação e autonomia pessoal. Um paciente adulto competente é livre para decidir, por exem-plo, se deseja ou não submeter-se a uma cirurgia ou tratamento ou, da mesma forma, receber uma transfusão de sangue. Contudo, para que essa liberdade seja significativa, os pacientes devem ter o direito de fazer escolhas que estejam de acordo com suas próprias opiniões e valores, independentemente de quão irracionais, insensatas ou imprudentes essas escolhas possam parecer aos outros. Muitas jurisdições estabelecidas examinaram os casos de testemunhas de Jeová que recusaram transfusões de sangue e concluíram que, embora o interesse público em preservar a vida ou a saúde de um paciente fosse indubitavelmente legítimo e muito forte, ele tinha que ceder ao interesse mais forte do paciente em dirigir o curso de sua própria vida […]. Enfatizou-se que a livre escolha e a autodeterminação eram em si mesmas componentes fundamentais da vida e que, na ausência de qualquer indício da necessidade de proteger a tercei-ros – por exemplo, vacinação obrigatória durante uma epidemia –, o Estado não deve interferir na liberdade de escolha individual na esfera dos cuidados de saúde, pois tal interferência só pode diminuir e não aumentar o valor da vida (European Court of Human Rights, 2010, tradução nossa)35.Na realidade, os tribunais têm considerado inviolável a autonomia do paciente, e o tratamento forçado por um médico tem sido objeto de responsabilidade civil e até criminal. 35 No original: “135. The very essence of the Convention is respect for human dignity and human freedom and the notions of self-determination and personal autonomy are important principles underlying the interpretation of its guarantees […]. The ability to conduct one’s life in a manner of one’s own choosing includes the opportunity to pursue activities perceived to be of a physically harmful or dangerous nature for the individual concerned. The freedom to accept or refuse specific medical treatment, or to select an alternative form of treatment, is vital to the principles of self-determination and personal autonomy. A competent adult patient is free to decide, for instance, whether or not to undergo surgery or treatment or, by the same token, to have a blood transfusion. However, for this freedom to be meaningful, patients must have the right to make choices that accord with their own views and values, regardless of how irrational, unwise or imprudent such choices may appear to others. Many established jurisdictions have examined the cases of Jehovah’s Witnesses who had refused a blood transfusion and found that, although the public interest in preserving the life or health of a patient was undoubtedly legitimate and very strong, it had to yield to the patient’s stronger interest in directing the course of his or her own life […]. It was emphasized that free choice and self-determination were themselves fundamental constituents of life and that, absent any indication of the need to protect third parties – for example, mandatory vaccination during an epidemic, the State must abstain from interfering with the individual freedom of choice in the sphere of health care, for such interference can only lessen and not enhance the value of life”.27RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Depois de explicar como o consentimento é necessário antes de submeter um paciente a tratamento médico, o juiz Cardozo acrescentou que “o cirurgião que realiza uma operação sem o consentimento do seu paciente comete uma agressão” (New York, 1912, tradução nossa)36. Tribunais em todo o mundo declararam, de forma semelhante à sentença da Suprema Corte da Polônia, que “a objeção a determinado tratamento […] é legalmente vinculante para um médico” (Poland, 2005, p. 3, tradução nossa)37.A propósito, são dignos de nota julgamentos recentes no Brasil sobre vacinação. No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nos 6.586 e 6.587, com relatoria do ministro Ricardo Lewandowski, o STF decidiu que aobrigatoriedade da vacinação a que se refere a legislação sanitária brasileira não pode contemplar quaisquer medidas invasivas, aflitivas ou coativas, em decorrência direta do direito à intangibilidade, inviolabilidade e integridade do corpo humano, afigurando-se flagrantemente inconstitucional toda determinação legal, regulamentar ou administrativa no sentido de implementar a vacinação sem o expresso consenti-mento informado das pessoas (Brasil, 2020a, p. 2).Assim, o Estado só tem permissão para tomar medidas contrárias se a recusa pessoal da vacinação puser em risco a vida de outras pessoas. Em seu voto, o ministro Luís Roberto Barroso declarou que,quando pessoas adultas fazem escolhas para si, sob determinadas circunstâncias, é possível dar prevalência à autonomia individual como expressão da sua dignidade, desde que isso não repercuta ilegitimamente sobre a esfera jurídica de terceiros. Foi exatamente isso que eu observei em um parecer que dei, de longa data, […] em que defendi o direito de pessoas adultas que professem a religião Testemunha de Jeová de recusarem transfusão de sangue em nome da sua fé, em nome da sua liberdade religiosa. Ali, havia o direito à liberdade religiosa contraposto ao direito à saúde – não há hierarquia entre os direitos, acho que o direito à liberdade religiosa merece uma grande proteção no Direito brasileiro – e considerei legítima a escolha, naquele caso, porque era um ato autorreferente, era uma decisão que repercutia apenas sobre a pessoa que estava tomando a decisão (Brasil, 2020a, p. 62-63).36 No original: “a surgeon who performs an operation without his patient’s consent commits an assault”.37 No original: “the objection to a particular treatment (type of treatments) is legally binding for a medical practitioner”.28 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11O ministro Gilmar Mendes sustentou em seu voto quenão há maiores dificuldades em se reconhecer que a exigência de se submeter o indiví-duo a tratamento médico compulsório pode de fato representar uma interferência no direito à integridade física e psicológica da pessoa. Há, porém, distintos gradientes em que essa intervenção pode se operar. Nesse particular, embora o STF já tenha discutido outras situações em que as objeções de consciência poderiam se opor ao interesse estatal na área sanitária, qual versado no precedente sobre a proibição de exame de DNA compulsório (HC 71.373-4/RS, Redator para o acórdão Ministro Marco Aurélio, grifei) ou ainda no tradicional debate sobre a transfusão sanguínea dos testemunhos [sic] de Jeová (RE 1.212.272, Rel. Min. Gilmar Mendes), o caso em tela diferencia-se substancialmente desses (Brasil, 2020a, p. 151-152).O STF deixou claro, pois, que o Estado só pode intervir contra a vontade de um cidadão quando sua decisão pessoal põe em risco a sociedade. Se o Estado não pode impor à força o tratamento médico previsto em lei para protegê-la, fica claro que ele tem ainda menos jus-tificativa para fazê-lo no caso de um PTJ, cuja decisão pessoal de recusar para si transfusões de sangue não acarreta risco para outrem. Logo, seria abusiva qualquer interferência nesse cenário, uma violação dos direitos humanos do paciente e “flagrantemente inconstitucio-nal”. Ademais, no caso de um PTJ, a coerção é ainda mais abusiva porque, além de violar sua integridade física e intangibilidade corporal, viola seu direito à liberdade religiosa. Nesse sentido, o STF considerou que a coerção à pessoa, constrangendo-a a renunciar à sua fé ou obrigando-a a professar determinada crença, demonstra que a diversidade ideológica e a própria diversidade espiritual devem ser protegidas pelo Estado democrático de Direito (Brasil, 2017).Apesar dessas asserções definitivas sobre a importância da autonomia do paciente, mesmo em situações de risco para a vida, a legislação brasileira é falha em proteger os direitos dos pacientes no grau exigido pelas normas internacionais de direitos humanos. Até o momento, não há decisão vinculante alguma do STF ou do STJ que determine que um médico seja responsabilizado se ignorar a recusa inequívoca de um paciente adulto competente a uma terapia, por mais que o médico possa considerá-la rotineira ou até mesmo potencialmente salvadora.O dispositivo legal que trata dessa questão é o art. 31 do Código de ética médica: “Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execu-ção de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte” (Conselho Federal de Medicina, 2019a, p. 27). No entanto, o art. 11 da Resolução no 2.232 do CFM determina que, em “situações de urgência e emergência que caracterizarem iminente perigo de morte, o médico deve adotar todas as medidas necessárias e reconhecidas para preservar a vida do paciente, independentemente da recusa terapêutica” (Conselho Federal de Medicina, 2019b). A exceção para o “iminente risco de morte” ou “iminente perigo de 29RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11morte” tem sido interpretada por médicos e muitos tribunais como uma permissão para que os profissionais ignorem o direito do paciente de consentir ou recusar o tratamento se o médico acreditar que a vida do paciente está em risco. Esses casos demonstram que a “exceção de emergência” do Brasil se contrapõe aos padrões internacionais de direitos humanos.3.3 O direito dos médicos à objeção de consciênciaIronicamente, a lacuna legislativa do Brasil permite que um médico force alguém a uma terapia que viola a consciência do paciente e, por outro lado, a lei admite que um médico se recuse a administrar uma terapia para salvar a vida que viole a consciência do médico. O Código de ética médica declara que é “direito do médico: [recusar-se] a realizar atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência” (Conselho Federal de Medicina, 2019a, p. 19-20). Além disso, a Resolução no 2.232 do CFM declara:Art. 7o É direito do médico a objeção de consciência diante da recusa terapêutica do paciente.Art. 8o Objeção de consciência é o direito do médico de se abster do atendimento diante da recusa terapêutica do paciente, não realizando atos médicos que, embora permitidos por lei, sejam contrários aos ditames de sua consciência (Conselho Federal de Medicina, 2019b).Assim, se um PTJ recusa transfusões de sangue, mas consente em outros tratamentos e procedimentos em geral aceitos que dispensam a transfusão de sangue, aquela resolu-ção do CFM concede o direito absoluto de recusar-se a tratar um paciente ao médico que alegue que isso violaria sua consciência. No entanto, princípios médicos e jurídicos sólidos submeteriam essa alegação de objeção de consciência a pelo menos quatro requisitos.Primeiro: a objeção deveria ser genuinamente motivada por objeção de consciência. Para que a objeção do médico seja considerada genuína, sua recusa deve ser consistente do ponto de vista ético e prático. Se, por exemplo, um médico se recusasse a tratar um PTJ porque a recusa do paciente à terapia sanguínea viola a crença do médico na santidade da vida, este não aceitaria tratar um paciente com câncer que recusasse quimioterapia.Segundo: a objeção deveria basear-se na escolha individual do médico. Em alguns casos, a recusa em tratar um PTJ decorre da política administrativa de um hospital; e uma recusa baseada na política de uma instituição, e não na ética do médico, não pode ser considerada uma expressão pessoal de objeção de consciência.Terceiro: a objeção deveria ser justificada e proporcional. Por exemplo, alguns médicos recusaram-se a tratar um PTJ mesmo quando o risco de perda sanguínea era próximo de zero (como a inserção de um cateter, uma septoplastia nasal ou uma artroscopia de joelho); 30 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11essa recusa não se pode considerar justificada ou proporcional quando é extremamente improvável a base da objeção – o risco de sangramento que põe a vida em risco.E quarto: mesmo quando os três primeiros requisitos são preenchidos, o médico deve cumprir duas obrigações: a) informar em tempo hábil o paciente e a administração do hos-pital sobre sua objeção de consciência; por exemplo, seria impróprio o médico recusar-se a tratar um paciente justamente no dia da cirurgia quando, com bastante antecedência, o médico fora informado sobre a vontade do paciente; e b) encaminhar o paciente a outro médico com a mesma especialização que esteja disposto a tratar o paciente de acordo com a vontade deste; essa segunda obrigação atende tanto aos interesses fundamentais de respeito à autonomia do paciente quanto à preservação da vida.Dispensar um paciente sem ajudá-lo a obter um tratamento alternativo pode implicar mais risco à sua vida que a recusa a uma transfusão de sangue. A esse respeito, o Ministério da Saúde assim difunde seu entendimento para casos de aborto lícito:Finalmente, lembre-se de que é dever do Estado garantir à mulher a prática do “aborto legal”. Assim, para garantir o direito da mulher a esse abortamento lícito e não cri-minoso, o Estado deve manter, nos hospitais públicos, profissionais que estejam capacitados, preparados e dispostos a realizar tal ato médico. Caso não seja garantido esse direito da mulher, e venha ela a sofrer qualquer prejuízo moral, físico ou psíquico em decorrência dessa omissão, o Estado poderá ser responsabilizado civilmente pela indenização de tais danos. Aliás, por derradeiro, é bom lembrar que a objeção de consciência é um direito dos médicos, não um direito das instituições. É por isso que todos as instituições, públicas ou privadas, integrantes do sistema de saúde, têm a obrigação de garantir assistência às mulheres que desejam exercer o seu direito ao aborto não criminoso (Brasil, 2011a, p. 42).A Resolução do CFM não oferece aos pacientes nenhuma dessas garantias legais. Conforme já abordado em outros artigos (Albuquerque, 2019), a Resolução apresenta falhas graves: a) ela se refere erroneamente à objeção de consciência e ao direito do paciente de recusar procedimentos e tratamentos como assuntos relacionados e necessariamente interconectados; b) não oferece proteção ao paciente contra o estresse ou o aumento da vulnerabilidade causado pelo médico ao afirmar a objeção de consciência; c) não aborda o dever do médico de evitar a discriminação contra o paciente por meio da objeção de cons-ciência; ou seja, o médico não pode deixar de tratar um paciente ou grupo de pacientes por causa de suas crenças ou devido a valores pessoais sobre tal paciente ou grupo; d) não prevê mecanismos para verificar a existência da crença ou do valor pessoal genuíno para garantir a conduta profissional do médico; e) não declara explicitamente que a objeção de consciência não significa forçar o paciente a aceitar determinado tratamento ou pro-cedimento; e f) a Resolução não fornece diretrizes para que a objeção de consciência seja 31RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11adotada como exceção, uma vez que expressa a predominância da perspectiva do médico sobre a do paciente.Em resumo, os médicos podem ter o direito de recusar tratamento a um paciente, mas tal direito deveria ser limitado pelos mencionados requisitos estritos, dada a importância do direito à autodeterminação e do compromisso assumido por eles de cuidar de pacientes que talvez discordem dos tratamentos propostos.O direito dos médicos à objeção de consciência deveria basear-se nos princípios da bioética, incluindo a beneficência e a não maleficência. Por exemplo: as testemunhas de Jeová argumentam que a solicitação de tratamentos com estratégias clínicas que evi-tam as transfusões de sangue está, na verdade, em harmonia com estes princípios: a) a beneficência – o uso de técnicas de conservação do sangue resulta em desfechos iguais ou superiores; e b) a não maleficência – o gerenciamento eficiente do sangue do paciente evita os riscos inerentes ao sangue alogênico. E as testemunhas de Jeová apontam vários estudos clínicos que apoiam essa decisão.De forma mais ampla, os médicos devem considerar parte de seu dever profissional e ético o aprendizado contínuo de novas habilidades e o desenvolvimento de técnicas. O Código de ética médica define que compete “ao médico aprimorar continuamente seus conheci-mentos e usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente e da sociedade” (Conselho Federal de Medicina, 2019a, p. 15); portanto, ele deve estar familiarizado com os conhecimentos médicos mais avançados. No caso de tratamento sem sangue, há um número crescente de médicos realizando procedimentos sem o recurso a transfusões de sangue; esses profissionais destacam os resultados adversos relacionados às transfusões de sangue, bem como as vantagens clínicas e econômicas das terapias e procedimentos sem ele.Publicado em 2017 na revista Transfusion, um estudo de referência descreve os resultados de um programa abrangente de seis anos na Austrália Ocidental com o objetivo de fazer uso mais amplo de terapias e procedimentos geralmente aceitos que evitam transfusões de sangue (Leahy; Hofmann; Towler; Trentino; Burrows; Swain; Hamdorf; Gallagher; Koay; Geelhoed; Farmer, 2017). Os autores examinaram os dados de 605.046 pacientes interna-dos em quatro grandes hospitais para adultos. Durante o período do estudo, as unidades de sangue transfundidas foram reduzidas em 41%. Diminuiu-se em 28% a mortalidade hospitalar, em 15% o tempo médio de internação, em 21% as infecções hospitalares e em 31% a incidência de ataque cardíaco ou derrame.O acúmulo de evidências clínicas levou a Organização Mundial da Saúde (OMS) a publicar em 2021 um resumo de políticas sobre a urgência de implantar em todo o mundo o chamado gerenciamento do sangue do paciente – ou PBM, acrônimo de patient blood management – que, de acordo com a OMS,é uma abordagem sistemática, centrada no paciente e baseada em evidências, que busca melhorar os resultados clínicos do paciente pelo gerenciamento do sangue do próprio paciente, mediante diagnóstico e tratamento específico da anemia, bem como 32 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11pela preservação do sangue do próprio paciente por minimizar a perda sanguínea e a hemorragia, ao mesmo tempo em que promove a segurança e autonomia do paciente (World Health Organization, 2021, p. 4, tradução nossa)38.No resumo de políticas, a OMS menciona o motivo para implantar o PBM:a literatura sugere que a transfusão por si só, após ajuste do risco, está independente-mente associada de forma dose-dependente a resultados adversos, incluindo aumento da morbidade, mortalidade e tempo médio de permanência no hospital e na UTI. Isso inclui pacientes com trauma e sangramentos críticos, como aqueles que estão critica-mente enfermos ou na UTI, pacientes de cirurgia cardíaca, e muitos outros pacientes cirúrgicos e clínicos, incluindo pediátricos e queimados (World Health Organization, 2021, p. 3, tradução nossa)39.Por outro lado, depois de considerar a evidência científica e o argumento econômico a favor da implantação do PBM, acrescenta a OMS que existe “uma obrigação ética de não ignorar e não negar um modelo médico que é benéfico não só para a sociedade em geral, mas também para populações altamente vulneráveis, pacientes individuais e doadores de sangue” (World Health Organization, 2021, p. 8, tradução nossa)40.Há vários estudos sobre tratamentos de PTJ sem transfusão de sangue. Entre eles está o dos pesquisadores da Johns Hopkins University School of Medicine, em Baltimore, EUA, que compararam os resultados clínicos de pacientes que receberam atendimento médico e cirúrgico sem sangue alogênico (grupo sem sangue) com pacientes semelhantes que aceitaram e receberam transfusão de sangue alogênico (grupo controle) durante o trata-mento. Após o ajuste de risco, a mortalidade no grupo sem sangue foi bem menor (0,7%) que no grupo de controle (2,7%). Os autores concluíram que o uso de medidas adequadas de conservação de sangue para pacientes que não aceitam a transfusão de sangue alogênico leva a “resultados semelhantes ou melhores” (Frank; Wick; Dezern; Ness; Wasey; Pippa; Dackiw; Resar, 2014, p. 2.668, tradução nossa)41.Essas pesquisas e descobertas médicas são relativamente recentes, e os médicos que não se tenham atualizado podem não estar familiarizados com o novo padrão de tratamento. 38 No original: “It is a patient-centred, systematic, evidence-based approach to improve patient outcomes by managing a patient’s own blood through diagnosis and etiology-specific treatment of anaemia and preserving the patient’s own blood by minimizing blood loss and bleeding, while promoting patient safety and empowerment”.39 No original: “the literature suggests that transfusion per se, after risk adjustment, is independently associated in a dose-dependent manner with adverse outcomes including increased morbidity, mortality and average hospital and ICU length of stay. This includes patients with trauma and critical bleeding, for example, those who are critically ill or in the ICU, patients who have cardiac surgery, and many other surgical and medical patients, including pediatric and burns patients”.40 No original: “There is an ethical obligation not to ignore and withhold a medical model that is beneficial not only for society at large, but also for highly vulnerable populations, individual patients and blood donors”.41 No original: “similar or better outcomes”.33RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Porém, existem estratégias clínicas para prevenir ou evitar transfusões de sangue que respeitam a vontade do paciente e permitem que os médicos ofereçam cuidados que salvam vidas. Ao analisar uma transfusão de sangue realizada à força num PTJ em 2010, os autores de um artigo publicado na revista Vox sanguinis destacaram que, aplicando “as evidências atuais revisadas por pares, teria sido possível respeitar tanto a autodeterminação do paciente em recusar transfusões quanto a autonomia profissional do médico que protege a segurança e a vida do paciente” (Bolcato; Shander; Isbister; Trentino; Russo; Rodriguez; Aprile, 2021, p. 1.023, tradução nossa)42. Os autores concluíram que, se “o PBM e o empo-deramento legal do paciente tivessem sido o modus operandi desde a admissão inicial, […] um resultado no qual os dois saíram perdendo poderia ter sido um resultado no qual os dois sairiam ganhando” (Bolcato; Shander; Isbister; Trentino; Russo; Rodriguez; Aprile, 2021, p. 1.029, tradução nossa)43.Ao considerar a eficácia do PBM, a OMS assinalou que, “apesar da evidência de melhores resultados para os pacientes, das vantagens econômicas, do imperativo ético a seu favor e do endosso da OMS, a mudança de cultura e comportamento, incluindo os dogmas médicos, são os principais obstáculos à implantação do PBM” (World Health Organization, 2021, p. 15, tradução nossa)44. De fato, estratégias alternativas à transfusão de sangue existem e têm ganhado aceitação internacional45.A lei brasileira, pois, deveria sujeitar a um escrutínio minucioso a recusa de um médico em tratar um paciente porque este prefere tratamentos alternativos clinicamente aceitos; deveria também incentivar a capacitação de médicos em vez de conceder-lhes autoridade irrestrita para sobrepor-se à autodeterminação dos pacientes ou simplesmente sua recusa ao tratamento.3.4 O paciente morre após recusar tratamento considerado capaz de salvar-lhe a vidaAlguns tribunais tiveram que determinar se um médico poderia ser responsabilizado pela morte de um paciente após ter honrado a opção do paciente de recusar um tratamento que o médico considerava potencialmente salvador e concordaram que este não pode ser 42 No original: “Respect for the patient’s self-determination in declining transfusions and respect for the professional autonomy of the doctor protecting the safety and life of the patient could be equally satisfied by applying the current peer-reviewed evidence”.43 No original: “If PBM and the legal empowerment of the patient had been the modus operandi from the initial admission, […] a lose-lose outcome could have been a win-win outcome”.44 No original: “Despite the evidence for improved patient outcomes with PBM, its economic advantages, the ethical imperative in favor of PBM and WHO’s endorsement, culture and behavior including existing medical dogma are the main obstacles to the implementation of PBM”.45 Sobre a autoridade da OMS, o STF já declarou que “os entes públicos devem aderir às diretrizes da Organização Mundial da Saúde, não apenas por serem elas obrigatórias nos termos do Artigo 22 da Constituição da Organização Mundial da Saúde (Decreto 26.042, de 17 de dezembro de 1948), mas sobretudo porque contam com a expertise necessária para dar plena eficácia ao direito à saúde” (Brasil, 2020b, p. 2).34 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11responsabilizado por obedecer à lei, pois respeitar a vontade de um paciente é respeitar seu direito fundamental de autonomia e de autodeterminação.Situação bem diferente seria um médico ajudar alguém a cometer suicídio ou acelerar a morte pela interrupção do tratamento; todavia, segundo a CEDH, em relação a julgamentos domésticos que considerama recusa de uma transfusão de sangue [equivalente] a suicídio, […] essa analogia não se sustenta, pois a situação de um paciente que busca apressar a morte por meio da interrupção do tratamento é diferente daquela de pacientes que – como as testemunhas de Jeová – apenas fazem uma escolha de procedimentos médicos, mas ainda desejam melhorar e não excluem totalmente o tratamento (European Court of Human Rights, 2010, tradução nossa)46.Em harmonia com tal precedente, em 2022 a CEDH novamente abordou a questão da recusa de transfusões de sangue num caso em que se alegava perseguição religiosa das testemunhas de Jeová pelas autoridades russas. Ela declarou quea liberdade de aceitar ou recusar um tratamento médico específico, ou de escolher uma forma alternativa de tratamento, é vital para os princípios de autodeterminação e autonomia pessoal. Um paciente adulto competente é livre para decidir, por exemplo, se deseja ou não submeter-se a uma cirurgia ou tratamento ou, da mesma forma, rece-ber uma transfusão de sangue. Para que essa liberdade seja significativa, os pacientes devem ter o direito de fazer escolhas que estejam de acordo com suas próprias opi-niões e valores, independentemente de quão irracionais, insensatas ou imprudentes essas escolhas possam parecer para os outros. Um paciente adulto competente é livre para decidir, por exemplo, se deseja ou não se submeter a uma cirurgia ou, da mesma forma, receber uma transfusão de sangue humano ou preferir substitutos sintéticos do sangue. A livre escolha e a autodeterminação são componentes fundamentais da vida e que, na ausência de qualquer indício da necessidade de proteger a saúde pública, o Estado não deve interferir na liberdade de escolha individual na esfera dos 46 No original: “In so far as the domestic judgments can be understood to consider that the refusal of a blood transfusion is tantamount to suicide, in the Court’s view, this analogy does not hold, for the situation of a patient seeking a hastening of death through discontinuation of treatment is different from that of patients who – like Jehovah’s Witnesses – just make a choice of medical procedures but still wish to get well and do not exclude treatment altogether”.35RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11cuidados de saúde, pois tal interferência só pode diminuir e não aumentar o valor da vida (European Court of Human Rights, 2022, tradução nossa)47.Um tribunal isentaria o médico de qualquer responsabilidade se em circunstâncias excepcionais um PTJ tivesse morrido supostamente por ter rejeitado transfusão de sangue, apesar dos melhores esforços do médico em minimizar a perda sanguínea e utilizar de modo eficiente estratégias para gerenciar e conservar o próprio sangue do paciente. Tribunais em todo o mundo têm manifestado essa posição, conforme se observa nos exemplos a seguir.O Tribunal de Apelação da Flórida, EUA, explicou que “a equipe médica que acata a vontade do paciente ao recusar assistência médica nessas circunstâncias não pode […] ser responsabilizada criminal ou civilmente por sua conduta” (Florida, 1987, p. 3, tradução nossa)48.A Suprema Corte da Polônia declarou que oprincípio da autonomia do paciente exige o respeito à sua vontade, independentemente dos motivos (religiosos, ideológicos, médicos etc.). Portanto, a objeção a determinado tratamento (tipo de tratamento) é juridicamente vinculante para um médico e isenta-o de responsabilidade criminal ou civil, mas no caso de administrá-lo, torna-o ilegal (Poland, 2005, p. 3, tradução nossa)49.Ao julgar um caso específico, a Suprema Corte da Coreia do Sul também decidiu que, mesmo se um paciente venha a morrer, o médico não deve ser responsabilizado por negli-gência de seu dever porque “antes da cirurgia, [ele] informou o paciente detalhadamente sobre como a cirurgia sem sangue é realizada e os riscos que podem acarretar, bem como sobre a idade e a família da falecida” e “tentou verificar novamente a vontade da família 47 No original: “the freedom to accept or refuse specific medical treatment or to select the alternative form of treatment is vital to the principles of self-determination and personal autonomy. For this freedom to be meaningful, patients must have the right to make choices that accord with their own views and values, regardless of how irrational, unwise or imprudent such choices may appear to others. A competent adult patient is free to decide, for instance, whether or not to undergo surgery or, by the same token, to have a live blood transfusion or to prefer artificial blood substitutes. Free choice and self-determination are fundamental constituents of life and that, absent any indication of the need to protect public health, the State must abstain from interfering with the individual freedom of choice in the sphere of health care, for such interference can only lessen and not enhance the value of life”.48 No original: “It goes without saying, however, that the medical personnel who accede to the patient’s wishes in refusing medical assistance in these circumstances, cannot […] be held criminally or civilly liable for their conduct”.49 No original: “The principle of patient’s autonomy requires respecting his will, regardless the motives (religious, ideological, medical etc.). Therefore, the objection to a particular treatment (type of treatments) is legally binding for a medical practitioner and relieves him of the criminal or civil responsibility, whereas in the case of administering it – makes it illegal”.36 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11dela quando se deparou com a necessidade de transfusão de sangue etc.” (Korea, 2014, tradução nossa)50.O Tribunal Constitucional tcheco determinou que, nocampo da prestação de assistência médica, é necessário respeitar plenamente o prin-cípio da liberdade e da autonomia da vontade e a possibilidade de o paciente recusar o atendimento, mesmo que isso seja considerado crucial para a preservação de sua vida. Os médicos e outros profissionais de saúde talvez possam convencer essas pessoas ou tentar mudar a abordagem delas caso ela lhes seja visivelmente prejudicial, mas, em última análise, não podem impedi-las de tomar a decisão de recusar o tratamento, decisão feita com base na vontade livre e inequívoca de uma pessoa adulta plenamente competente, apenas pelo fato de acreditarem que a decisão prejudica a pessoa em questão. Por esse motivo, se uma pessoa agir de acordo com essas regras e não prestar os cuidados necessários com relação à recusa de um paciente adulto totalmente com-petente, ela não cometerá um crime de omissão de socorro, pois isso não atenderia a uma das características necessárias para um crime, ou seja, a ilegalidade da conduta mencionada acima (Czech Republic, 2017, p. 8, tradução nossa)51.Os médicos não são responsabilizados por respeitarem as escolhas médicas informadas de um paciente adulto competente.4 ConclusãoTanto os tribunais superiores das democracias estabelecidas como os tribunais interna-cionais têm sustentado que, para preservar a dignidade humana, se deve garantir o direito do paciente à autodeterminação, mesmo quando a vida biológica esteja em risco. A vida, em seu conceito amplo, é mais que simplesmente respirar: abrange todas as funções vitais – as dimensões física, emocional, moral e espiritual. Um médico não está tratando uma perna infeccionada, um fígado lesionado ou um coração doente, mas um ser humano integral, o que abarca a vida, os sentimentos, a dignidade e a liberdade da pessoa.50 No original: “prior to the surgery, [he] fully informed the patient of how the bloodless surgery is conducted and the risks that may follow, along with the age and the family of the deceased”; “tried to double check the wishes of her family when facing a need of blood transfusion, etc.”.51 No original: “In the field of provided health care, it is necessary to fully respect the principle of freedom and autonomy of the will and the patient’s possibility to refuse care even though it would be deemed crucial for preserving their life. Physicians and other healthcare professionals may convince such persons, or they may attempt to change their approach if it is manifestly harmful to them, but ultimately, they cannot prevent them from taking a decision on refusing care, made on the basis of the free and serious will of a fully competent adult person, solely due to the fact that they believe that the decision harms the person concerned. For this reason, if any person acts in accordance with these rules and does not provide the necessary care with respect to the disapproval of a fully competent adult patient, they cannot commit a criminal offence of failure to provide assistance, as it would not fulfil one of the necessary characteristics of a criminal offence, i.e., the aforementioned illegality of the conduct”.37RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11Por conseguinte, a vontade bem estabelecida de um paciente deve ser respeitada não apenas quando ele estiver inconsciente mas também quando os médicos acharem que outra terapia poderia ter um resultado melhor. Os médicos que ignorem a escolha de um paciente adulto competente podem ser responsabilizados civil ou criminalmente. Por outro lado, um médico que respeita a escolha de tratamento médico de um paciente está protegido de responsabilidade civil e criminal.Como a legislação e a jurisprudência do Brasil estão desatualizadas em relação à proteção do direito à autodeterminação dos pacientes, a situação jurídica hoje é incerta e insatisfatória para pacientes e médicos. Espera-se que as decisões dos tribunais superiores e os princípios legais que as sustentam, tal como analisados neste artigo, ajudem a abrir caminho para a jurisprudência de acordo com as convenções internacionais de que o País é signatário. Ademais, elas podem servir de diretriz para os tribunais enquanto aguardam o advento de uma legislação que proteja o direito dos pacientes à autodeterminação. De acordo com a jurisprudência, o respeito à escolha de um PTJ de recusar transfusões de sangue deve ser considerado uma expressão da liberdade religiosa garantida no mais alto grau, bem como do direito inviolável à saúde e à autodeterminação; são direitos que encontram um ponto de convergência no direito mais amplo e fundamental à liberdade pessoal.Proteger os direitos dos pacientes, inclusive dos pacientes testemunhas de Jeová, é proteger os direitos à autodeterminação e à liberdade religiosa de todos52.ReferênciasALBUQUERQUE, Aline. Objeção de consciência do médico e a Res. CFM no 2.232/19. In: ______. CVMed. [S. l.], 17 set. 2019. Disponível em: http://cvmed.com.br/2019/09/17/objecao-de-consciencia-do-medico-e-a-res-cfm-no-2-232-19/. Acesso em: 3 jul. 2024.ARGENTINA. Corte Suprema de Justicia de la Nación. Albarracini Nieves, Jorge Washington s/ medidas precautorias: A. 523. XLVIII. Jueces: Elena Highton de Nolasco et al., 1o de junio de 2012. 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Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 90, n. 787, p. 493-507, maio 2001.52 Em 25/9/2024, no julgamento coletivo do RE no 979.742, relatado por Luís Roberto Barroso, e do RE no 1.212.272, relatado por Gilmar Mendes, o plenário do STF por unanimidade decidiu: a) que, em respeito aos princípios da dignidade humana e da liberdade de consciência e crença, o PTJ adulto e capaz tem o direito de recusar transfusões de sangue em seu tratamento médico, e essa recusa pode ser expressa verbalmente ou por meio de diretivas antecipadas; e b) que, em respeito ao direito à vida e à saúde desses pacientes, o Estado deve oferecer procedimentos alternativos às transfusões de sangue disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS), mesmo que seja necessário transferir o paciente para receber tratamento em instituições hospitalares localizadas numa cidade diferente da de sua residência. Essa decisão histórica alinha o País com a jurisprudência internacional examinada neste artigo e representa um avanço significativo para os direitos humanos dos pacientes no Brasil.38 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11BOLCATO, Matteo; SHANDER, Aryeh; ISBISTER, James P.; TRENTINO, Kevin M.; RUSSO, Marianna; RODRIGUEZ, Daniele; APRILE, Anna. Physician autonomy and patient rights: lessons from an enforced blood transfusion and the role of patient blood management. Vox Sanguinis, [s. l.], v. 116, n. 10, p. 1.023-1.030, 2021. DOI: https://doi.org/10.1111/vox.13106. Disponível em: https://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1111/vox.13106. Acesso em: 3 jul. 2024.BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2023a]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 3 jul. 2024.______. 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Inaplicabilidade do artigo 16, alínea “g”, do Decreto no 20.931/32 […]. Agravante: Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo – CRF/SP. Agravada: Unimed São Carlos Cooperativa de Trabalho Médico. Relator: Min. Castro Meira, 9 de junho de 2009. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200802269900&dt_publicacao=23/06/2009. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Superior Tribunal de Justiça (1. Turma). Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial no 188.890/SP. Processual civil. Ação de reparação de danos morais. Produção de prova. Ausência de prequestionamento. Súmula 211/STJ. Alegação de ofensa ao Código de ética médica. Impossibilidade. Agravo regimental a que se nega provimento. Agravante: Sueli Soraia da Silva Gonçalves. Agravado: Município de Diadema. Relator: Min. Teori Albino Zavascki, 14 de agosto de 2012a. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201201194758&dt_publicacao=21/08/2012. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Superior Tribunal de Justiça (1. Turma). Agravo Regimental no Recurso Especial no 354.510/MG. Processual civil – Agravos regimentais – Recursos especiais – Seguimento negado – Arts. 37, da Lei no 5.250/57, 165 e 458 do CPC, 2o e 15 da Lei no 3.268/57 – Prequestionamento inexistente – Correta aplicação das Súmulas 282/STF e 211/STJ […]. Agravantes: Conselho Federal de Medicina; Conselho Regional de Medicina do Estado de Minas Gerais – Cremeng. Agravado: Etelvino Teixeira Coelho. Relatora: Min. Denise Arruda, 27 de abril de 2004. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=200101280290&dt_publicacao=24/05/2004. Acesso em: 3 jul. 2024.39RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11______. Superior Tribunal de Justiça (4. Turma). Recurso Especial no 1.540.580/DF. Recurso especial. Violação ao art. 535 do CPC/1973. Não ocorrência. Responsabilidade civil do médico por inadimplemento do dever de informação. Necessidade de especialização da informação e de consentimento específico. Ofensa ao direito à autodeterminação […]. Recorrentes: Dimas Pereira e Abrahão; Lindalva Gonçalves Abrahão; Tiago Barboza Abrahão. Recorridos: Sociedade Beneficente de Senhoras Hospital Sírio Libanês; Clínica Paulista de Neurologia e Neurocirurgia Ltda – EPP; Manoel Jacobsen Teixeira. Relator: Min. Lázaro Guimarães (desembargador convocado do TRF 5a Região). Relator para o acórdão: Min. Luis Felipe Salomão, 2 de agosto de 2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201501551749&dt_publicacao=04/09/2018. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso Especial no 1.848.862/RN. Recurso especial. Ação de indenização por danos morais. Procedimento cirúrgico realizado para resolver síndrome da apneia obstrutiva do sono (Saso). Falecimento do paciente. Negativa de prestação jurisdicional. Não ocorrência. Falha no dever de informação acerca dos riscos da cirurgia […]. Recorrentes: Anna Maria da Trindade dos Reis; Geraldo José Macedo da Trindade. Recorridos: José Delfino da Silva Neto; Pedro de Oliveira Cavalcanti Filho; Clínica Pedro Cavalcanti Ltda. Relator: Min. Marco Aurélio Bellizze, 5 de abril de 2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/SCON/GetInteiroTeorDoAcordao?num_registro=201802689219&dt_publicacao=08/04/2022. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade no 4.439/DF. Ensino religioso nas escolas públicas. Conteúdo confessional e matrícula facultativa. Respeito ao binômio laicidade do Estado/liberdade religiosa. Igualdade de acesso e tratamento a todas as confissões religiosas […]. Requerente: Procurador-Geral da República. Interessados: Presidente da República; Congresso Nacional; Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB. Relator: Min. Roberto Barroso. Redator do Acórdão: Min. Alexandre de Moraes, 27 de setembro de 2017. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=15085915. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Ação Direta de Inconstitucionalidade no 6.586/DF. Ações diretas de inconstitucionalidade. Vacinação compulsória contra a Covid-19 prevista na Lei 13.979/2020. Pretensão de alcançar a imunidade de rebanho. Proteção da coletividade, em especial dos mais vulneráveis […]. Requerente: Partido Democrático Trabalhista. Interessados: Presidente da República; Congresso Nacional. Relator: Min. Ricardo Lewandowski, 17 de dezembro de 2020a. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=755517337. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 54/DF. Estado – Laicidade. O Brasil é uma República laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações […]. Requerente: Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde – CNTS. Interessado: Presidente da República. Relator: Min. Marco Aurélio, 12 de abril de 2012b. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=3707334. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental no 132/RJ. 1. Arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Perda parcial de objeto. Recebimento, na parte remanescente, como ação direta de inconstitucionalidade. União homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. Convergência de objetos entre ações de natureza abstrata. Julgamento conjunto […]. Requerente: Governador do Estado do Rio de Janeiro. Interessados: Governador do Estado do Rio de Janeiro; Tribunais de Justiça dos Estados; Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro. Relator: Min. Ayres Britto, 5 de maio de 2011b. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633. Acesso em: 3 jul. 2024.______. Supremo Tribunal Federal (Plenário). Referendo na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade no 6.341/DF. Referendo em medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade. Direito constitucional. Direito à saúde. Emergência sanitária internacional. Lei 13.979 de 2020 […]. Requerente: Partido Democrático Trabalhista. Interessado: Presidente da República. Relator: Min. Marco Aurélio. Redator do acórdão: Min. Edson Fachin, 15 de abril de 2020b. Disponível em: https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=754372183. Acesso em: 3 jul. 2024.40 RIL Brasília v. 61 n. 243 p. 11-42 jul./set. 2024 · DOI: https://doi.org/10.70015/ril_v61_n243_p11______. Tribunal Regional Federal da 1a Região (6. Turma). Agravo de Instrumento no 0017343-82.2016.4.01.0000/MG. Civil e constitucional. Agravo de instrumento. Paciente internado. Tratamento aplicado pela instituição de saúde. Determinação judicial. Transfusão de sangue compulsória. Recusa da pessoa enferma. Opção por modalidade diversa de tratamento. Possibilidade. Observância do direito fundamental à dignidade da pessoa humana e à liberdade […]. Agravante: Maria Mylena Silva Teixeira. Agravada: Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH). Relator: Des. Federal Kassio Nunes Marques, 16 de maio de 2016. Disponível em: https://www2.cjf.jus.br/jurisprudencia/trf1/. Acesso em: 3 jul. 2024.CANADA. Supreme Court. Carter vs. Canada (Attorney General), 2015 SCC 5, [2015] 1 SCR 331. Appellants: Lee Carter et al. Respondent: Attorney General of Canada. Judges: McLachlin, Beverley et al., February 6, 2015. Disponível em: https://decisions.scc-csc.ca/scc-csc/scc-csc/en/item/14637/index.do. Acesso em: 3 jul. 2024.CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA (Brasil). 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