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Original TitleTEACHING SHOAH TO CHILDREN AND ADOLESCENTS IN THE MUSEUM: A FRAMEWORK OF GUIDELINES
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Article Id01616719191
Article Id02oai:revistas.usp.br:article/221949
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Original AbstractThis article aims to compile guidelines from museums dedicated to the Holocaust and related topics (namely the United States Holocaust Memorial and Museum, in Washington, D.C.; Yad Vashem, in Jerusalem; ANOHA, the children\u0027s section of the Jüdisches Museum in Berlin; and the Holocaust Museum, in Curitiba) on how to present the subject, in the museum environment, to children and teenagers. The compilation of these guidelines was necessary during the course of our master\u0027s research, which deals with the strategies employed by Shoah museums in presenting the subject to these age groups, since the focus of our study is on exhibitions, and those institutions mentioned above carry out their own research activities, thus serving as sources. Therefore, they issue guidelines that can be applied both by teachers in the classroom and in non-formal education contexts, such as other museums.Apresentado no I Congresso Internacional de Estudos Judaicos da Universidade de São Paulo.
O presente artigo pretende compilar diretrizes de instituições museais dedicadas ao Holocausto e tópicos correlatos (a saber, o United States Holocaust Memorial and Museum, em Washington, D.C.; o Yad Vashem, em Jerusalém; o ANOHA, setor infantil do Jüdisches Museum em Berlim; e o Museu do Holocausto, em Curitiba) a respeito de como apresentar o tema, no ambiente do museu, a crianças e adolescentes. A compilação de tais diretrizes impôs-se, durante o curso de pesquisa de mestrado que versa sobre as estratégias empregadas por museus da Shoá na apresentação do assunto a referidas faixas etárias, tendo em vista que nosso estudo concentra-se em atividades expositivas, e posto que as instituições acima citadas desenvolvem suas próprias atividades de pesquisa, servindo, portanto, como fontes. Desta forma, editam orientações passíveis de serem utilizadas tanto por professores em sala de aula, quanto em contextos de educação não formal, como em outros museus
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Original Full TextCadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 235 ENSINO DA SHOÁ A CRIANÇAS E ADOLESCENTES NO MUSEU: UM QUADRO DE DIRETRIZES TEACHING SHOAH TO CHILDREN AND ADOLESCENTS IN THE MUSEUM: A FRAMEWORK OF GUIDELINES Juliana Carvalho Eliezer* Resumo: O presente artigo pretende compilar diretrizes de instituições museais dedicadas ao Holocausto e tópicos correlatos (a saber, o United States Holocaust Memorial and Museum, em Washington, D.C.; o Yad Vashem, em Jerusalém; o ANOHA, setor infantil do Jüdisches Museum em Berlim; e o Museu do Holocausto, em Curitiba) a respeito de como apresentar o tema, no ambiente do museu, a crianças e adolescentes. A compilação de tais diretrizes impôs-se, durante o curso de pesquisa de mestrado que versa sobre as estratégias empregadas por museus da Shoá na apresentação do assunto a referidas faixas etárias, tendo em vista que nosso estudo concentra-se em atividades expositivas, e posto que as instituições acima citadas desenvolvem suas próprias atividades de pesquisa, servindo, portanto, como fontes. Desta forma, editam orientações passíveis de serem utilizadas tanto por professores em sala de aula, quanto em contextos de educação não formal, como em outros museus. Palavras-chave: Shoá. Estudos Judaicos. Educação em Museus. Museologia. Abstract: This article aims to compile guidelines from museums dedicated to the Holocaust and related topics (namely the United States Holocaust Memorial and Museum, in Washington, D.C.; Yad Vashem, in Jerusalem; ANOHA, the children's section of the Jüdisches Museum in Berlin; and the Holocaust Museum, in Curitiba) on how to present the subject, in the museum environment, to children and teenagers. The compilation of these guidelines was necessary during the course of our master's research, which deals with the strategies employed by Shoah museums in presenting the subject to these age groups, since the focus of our study is on exhibitions, and those institutions mentioned above carry out their own research activities, thus serving as sources. Therefore, they issue guidelines that can be applied both by teachers in the classroom and in non-formal education contexts, such as other museums. Keywords: Shoah. Jewish Studies. Museum Education. Museum Studies. * Juliana Carvalho Eliezer é graduada em Letras, habilitações Português e Hebraico, pela FFLCH/USP. É também mestranda do Programa de Pós-Graduação em Letras Estrangeiras e Tradução (PPG-LETRA) da FFLCH/USP, onde desenvolve pesquisa a respeito do ensino do Holocausto a crianças e adolescentes através da linguagem do museu. E-mail: <juliana.eliezer@usp.br>. Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 236 A transmissão dos eventos pertinentes à Shoá é complexa, posto que envolve, além da história positivada, o registro da memória (inclusive e apesar de suas inconstâncias), bem como a dificuldade na representação do horror, seja através de palavras ou de imagens. Por outro lado, impõe-se a necessidade de transmiti-los, inclusive aos não-judeus e às gerações mais jovens, posto que não constituem um tema afeito apenas ao judaísmo, mas à humanidade, guardando estreita relação com as questões de racismo, preconceito e desrespeito às diferenças. Tratando-se especificamente de crianças e jovens, vale lembrar que, em 2017, a homologação da nova Base Nacional Comum Curricular do Ministério da Educação e Cultura do Brasil tornou obrigatório o ensino do Holocausto às turmas de Ensino Fundamental II e Ensino Médio1, visando a apreensão, pelos alunos, de conceitos que tornem as novas gerações aptas a tomar decisões no mundo em que vivem, deliberando sobre o próprio futuro e propondo outros futuros possíveis2. Temos observado, em museus visitados ao longo da pesquisa de mestrado, concernente às estratégias expográficas empregadas com o objetivo da transmissão, aos públicos infantil e juvenil, da história da Shoá, iniciativas na participação do ensino do tema, fazendo jus tais instituições, ao que nos parece, à denominação de espaços de educação não formal. Perguntamo-nos, desde o princípio, se os museus dedicados à matéria estão preparados para lidar com infâncias e juventudes em um mundo tão diverso, e mediante quais processos e procedimentos este trabalho vem sendo realizado. Em dado momento da pesquisa, assim, houve a natural imposição da busca pelas diretrizes eventualmente seguidas pelos museus dedicados à Shoá na transmissão de conhecimentos às crianças e jovens, já que o foco de nossos estudos não está no público, mas no emissor - a instituição museal; houve, ainda, a constatação de que certas instituições, desenvolvedoras de pesquisas próprias, desenvolvem elas mesmas suas orientações, passíveis de serem seguidas por outros museus. Ao discorrer sobre a “cultura da memória”, Huyssen alertou para uma espécie de armadilha a nos envolver: a de querermos reviver o passado, tentando encontrar coerência entre ele e o presente, não necessariamente pela vontade de mudar o primeiro, mas na vã tentativa de encontrar sentido em nosso presente pós-moderno, de modo a vislumbrarmos um futuro mais favorável. Preocupou-se com a realização mútua e concomitante de memória e apagamento, alertando para a incapacidade da cultura da memória de compensar perdas incontornáveis pelo passado e pelo presente3. No que diz respeito ao Brasil, além das questões levantadas pelo autor 1 Reiss, 2018, p. 17. 2 Pereira e Gitz, 2014, p. 17. 3 Huyssen, 2004 e Reiss, 2018. Cadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 237 alemão, deparamo-nos com a dificuldade em lidar com memórias traumáticas4, especialmente aquelas incutidas pelos poderes públicos - poucas são as iniciativas, no âmbito dos museus, de instituições dedicadas, por exemplo, à escravidão, ao extermínio da população indígena e aos anos da ditadura militar. Por outro lado, é desejável o desenvolvimento de museus com temática do Holocausto, democratizando, como quis Meneses, saberes que podem não atingir o público em profundidade na esfera do ensino regular, aliando-se a pesquisa histórica - o “laboratório da história” - ao espaço da instituição museal5, especialmente num momento em que o “ver”, nas mídias e redes sociais, equipara-se de maneira falaciosa ao “conhecer”. Portanto, o melhor cenário é aquele em que esse compartilhamento de saberes ocorre atrelado à pesquisa, na contramão da crítica de Poulot, que vislumbra as instituições museais descoladas de estudos de ponta6. As análises de Huyssen, Meneses e Poulot, se trazidas para o contexto dos museus do Holocausto, fazem lembrar outra crítica, a de Didi-Huberman, que escreveu sobre a exposição das fotografias produzidas, em agosto de 1944, por um integrante do Sonderkommando de Auschwitz-Birkenau, classificando-as, de forma pertinente, como “únicos testemunhos visuais de uma operação de asfixia por meio de gás no próprio tempo de seu desenrolar”. Aduziu que, apesar de encontradas quatro dessas fotografias, apenas três delas foram instaladas em lápides localizadas entre a floresta e as ruínas do Crematório V de Birkenau, no interior do que hoje é chamado de Miejsce Pamieci i Muzeum Auschwitz-Birkenau (Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau), na Polônia. Didi-Huberman indicou que a quarta fotografia, obviamente tirada em condições adversas, mostra apenas a copa das árvores e o céu, por isso não fora exposta ao público; criticou a ação do museu de “simplificar para transmitir”, ignorando que a desorientação impressa na fotografia “testemunha a situação de urgência e da quase impossibilidade de testemunhar naquele momento preciso da história.”7. No contexto da museologia como ciência social em formação8, a qual se espera que dê conta dos problemas acima expostos, o estudo do contraponto entre o trabalho de museus da Shoá brasileiros (no presente caso, o Museu do Holocausto de Curitiba) e instituições estrangeiras (o estadunidense United States Holocaust Memorial and Museum, em Washington 4 A IHRA - International Holocaust Remembrance Alliance aponta tendências locais a evitar questões difíceis relacionadas a histórias nacionais como um dos desafios a serem superados no ensino e aprendizagem da Shoá em âmbito internacional (<https://holocaustremembrance.com/memorial-museum-professionals> - acesso em 25/01/2024). 5 Meneses, 1994. 6 Poulot, 2013. 7 Didi-Huberman, 2017, p. 46-49. 8 Poulot, 2013. Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 238 D.C., o israelense Yad Vashem, em Jerusalém, e o Jüdisches Museum Berlin, na cidade alemã de mesmo nome), em sede de pesquisa de mestrado, fez reforçar o imperativo da sistematização de um quadro de diretrizes, seguidas ou até mesmo estabelecidas pelos museus através de suas pesquisas, como se as próprias instituições estivessem nos dizendo o que escolheram mostrar e não mostrar, e os porquês dessas escolhas. Tratam-se de instituições que, possuindo grande capacidade de comunicação, poderiam ter decidido prescindir da atividade de pesquisa, porém não o fizeram. Cerávolo (2014) cita a proposição de Šola, segundo a qual o verdadeiro objeto do museu não está na esfera física, mas consiste na transmissão de informação pertinente9. Se é certo que a exposição promove o encontro da sociedade com seu patrimônio, este não deve necessariamente ser material - a existência indispensável é a do sujeito, o visitante. A questão estaria, assim, atrelada às formas de comunicação da história da Shoá, e não tanto ao objeto em si, especialmente num contexto em que artefatos e documentos podem possuir conteúdo extremamente perturbador. Museus com atividades permanentes de pesquisa, como o United States Holocaust Memorial and Museum (doravante USHMM) e o Yad Vashem (que apesar de não apresentar exposições especialmente voltadas a crianças e adolescentes promove suas ações educativas através da International School for Holocaust Studies - Escola Internacional para Estudos do Holocausto, também norteadora das atividades do próprio museu) e, no Brasil, o Museu do Holocausto de Curitiba, elaboram, assim, diretrizes próprias, em um trabalho que, como a própria disciplina da museologia, está em constante desenvolvimento - o USHMM denomina-se um “living museum” não porque possua exposições imersivas (um tópico a ser tratado adiante), mas pelo trabalho ininterrupto de pesquisa acerca da Shoá10. O Museu do Holocausto de Curitiba, por sua vez, apresenta-se na obra Luz sobre o Caos - Educação e memória do Holocausto (de que uma das funções é embasar o trabalho educativo da instituição) como “a primeira instituição brasileira que uniu os eixos de memória, educação e pesquisa com uma proposta museológica permanente sobre a Shoá.”11. A reunião, pelas entidades museais cujo trabalho de pesquisa é constante, de orientações para a transmissão da história do Holocausto, faz com que tais entidades sejam, elas próprias, fontes. Alguns parâmetros de concepção de diretrizes são, ainda, recomendados por organismos como a International Holocaust Remembrance Alliance e por bibliografia específica, composta por autores tais quais 9 Cerávolo, 2014, p. 258. 10 Linenthal, 1997. 11 Reiss, 2018, p. 12-15. Cadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 239 Raul Hilberg, Yehuda Bauer, Saul Friedländer, Martin Gilbert, Samuel Totten e Stephen Feinberg12, para nomear alguns. Os dois últimos autores citados, trabalhando em proximidade com o setor educativo do USHMM, apontam para a necessidade de qualquer iniciativa de ensino do Holocausto estar fundamentada em um “rationale” - em tradução livre, uma justificativa pertinente. Tal critério, dizem, tem o escopo de oferecer tanto aos facilitadores quanto aos aprendizes13 o foco necessário para que se compreenda a Shoá como um evento histórico complexo, além de estruturar os programas de ensino, auxiliando os facilitadores a selecionar conteúdo e a tomar decisões curriculares difíceis. O conteúdo, de acordo com Totten e Feinberg, deve ser apresentado de maneira historicamente precisa e pedagogicamente sólida, em ambientes de aprendizagem tanto formais quanto não formais14. Além deste, há outros fundamentos que, por óbvio, servem como base para uma multiplicidade de instituições museais dedicadas à Shoá. A questão da adequação à faixa etária é um exemplo disto. É pilar do Yad Vashem que crianças de qualquer idade podem ser introduzidas ao Holocausto se o método e o conteúdo forem apropriados à faixa etária15. O USHMM defende que o ensino para a faixa etária dos 5 aos 6 anos não deve fundar-se nos eventos históricos referentes à Shoá, mas sim em tópicos como a diversidade, a aceitação de diferenças e os perigos do preconceito, para o que o museu oferece material gratuito a ser utilizado na sala de aula e em casa. São discussões que, segundo a instituição, serão retomadas quando do estudo da Shoá propriamente dita, e/ou quando da visita à exposição infantil do museu, Remember the Children: Daniel’s Story, crônica dedicada à faixa etária que vai dos 8 aos 12 anos e, posteriormente, à exposição permanente, recomendada a partir dos 13 anos16. O Jüdisches Museum Berlin, em 2021, inaugurou seu setor infantil, alojando-o no prédio de um antigo mercado de flores localizado quase em frente ao célebre edifício Libeskind, e chamando-o de ANOHA - Die Kinderwelt des Jüdisches Museum Berlin17. Ali, uma enorme instalação de madeira representando a arca de Noé e as mais de 150 esculturas de animais (projetadas por 12 Linenthal, 1997. 13 O termo “aprendiz” é empregado pela International Holocaust Remembrance Alliance pois, ao contrário de “estudante”, engloba uma maior diversidade de contextos de aprendizagem. 14 Totten e Feinberg, 2016 e https://www.ushmm.org/teach/fundamentals/rationale-learning-objectives (acesso em 25/01/2024). 15 <https://www.yadvashem.org/education.html> (acesso em 01/12/2023). Notar que as demais diretrizes citadas neste artigo encontram-se na referida página. 16 <https://www.ushmm.org/teach/fundamentals> (acesso em 01/12/2023). 17 Segundo informação prestada, através de correspondência eletrônica recebida em dezembro de 2023, pela diretora do museu infantil, Dra. Ane Kleine-Engel, “ANOHA” não é uma sigla e não possui significado léxico: trata-se de uma marca, desenvolvida por uma agência especializada em colaboração com a instituição, sendo intencional a semelhança fonética com arche Noah (em alemão, arca de Noé). Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 240 artistas utilizando sucata e materiais do dia a dia, tais como lâmpadas, molas, escovas, partes automotivas, pedaços de metal, plástico e tecido) servem como mote para educar os visitantes de até 10 anos acerca dos tópicos já referidos, além da conscientização sobre os efeitos das mudanças climáticas resultantes da ação humana em face do meio-ambiente, através da atividade de simulação do dilúvio bíblico em uma maquete de bacia hidrográfica de 14 metros de comprimento. O ANOHA segue as propostas das abordagens Hands-on18 (através da interatividade e de itens e cenários que os visitantes podem tocar, e não apenas olhar, são estimulados a curiosidade, a criatividade e a imaginação das crianças e jovens) e Early Excellence19 (enfoque através do qual se tenciona obter o melhor padrão de desenvolvimento infantil para a primeira infância, com a convergência entre pais/responsáveis e instituições de ensino e aprendizagem, construindo-se um ambiente ideal para as crianças aprenderem, inclusive físico, com a presença de móveis com tamanho e altura adequados, utensílios, brinquedos e materiais de ensino com dimensões, texturas e padrões de utilização apropriados à idade); o objetivo, segundo a instituição, é mostrar às crianças que havia lugar para todos os animais dentro da arca, independentemente de hábitos, locais de procedência, tamanhos ou cores; ainda, que há diversas possibilidades de ação para tornar a Terra um lugar melhor20. Uma vez que se passe a falar às crianças sobre os eventos da Shoá, frisam o Museu do Holocausto de Curitiba, o Yad Vashem e o USHMM21 a necessidade de estabelecer, com precisão de linguagem, o significado do termo Holocausto. Este último museu, aliás, traz em seu website, no segmento concernente às ações educativas, a seguinte definição, abaixo transcrita em tradução livre nossa: O Holocausto foi a perseguição e o assassinato, sistemáticos e patrocinados pelo Estado, de seis milhões de judeus pelo regime nazista e seus colaboradores, entre 1933 e 1945, na Europa e no norte da África. O auge da perseguição e do assassinato ocorreu durante a Segunda Guerra Mundial. No final da guerra, em 1945, os alemães e seus colaboradores haviam matado quase dois a cada três judeus europeus. Os nazistas acreditavam que os alemães eram racialmente superiores. Acreditavam que os judeus eram uma ameaça à chamada comunidade racial alemã. Embora os judeus fossem as principais vítimas, os nazistas também perseguiram e assassinaram pessoas pertencentes a outros grupos. Os nazistas alegavam que os ciganos, as pessoas com deficiência, alguns povos eslavos (especialmente poloneses e russos) e os negros eram racialmente inferiores. O regime perseguiu outros grupos devido a sua política, ideologia ou comportamento. Esses grupos incluíam 18 <https://hands-on-international.net/about/> (acesso em 18/01/2024). 19 <https://earlyexcellence.com/about-us/> (acesso em 18/01/2024). 20 <https://anoha.de/en/our-approach> (acesso em 02/12/2023). 21 <https://www.ushmm.org/teach/fundamentals/guidelines-for-teaching-the-holocaust> (acesso em 01/12/2023). Notar que as demais diretrizes citadas neste artigo encontram-se na referida página. Cadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 241 comunistas, socialistas, testemunhas de Jeová, homossexuais e pessoas que os nazistas chamavam de “antissociais” e “criminosos profissionais”.22 Corroborando a definição, o Museu do Holocausto de Curitiba enfoca a importância de destacar que o Holocausto não foi um evento à parte da história, não era inevitável e, com efeito, foi perpetrado por seres tão humanos quanto aqueles cujos assassinatos provocou, e não por monstros ou “extraterrestres do planeta Auschwitz”23. De acordo com Carlos Reiss, diretor da instituição, enfrenta-se um dilema não apenas histórico, mas também educativo, devidos à perspectiva equivocada de que a Shoá foi um episódio inexplicável, irracional e misterioso - faz, entretanto, referência a uma experiência de horror intransmissível, tanto que apenas os que pereceram a vivenciaram em sua inteireza. Além disso, malgrado nossa compreensão limitada dos eventos e nossa dificuldade de explicá-los plenamente, o fato de a Shoá fazer parte da história da humanidade torna-a passível de alcance pelos aspectos racional e metodológico, podendo, assim, ser estudada e, guardadas as devidas proporções, transmitida.24 A exposição infantil do USHMM, aliás, demonstra muito bem outra das diretrizes educativas do museu, que é a utilização, no ensino do Holocausto a crianças e jovens, de fontes primárias - no caso específico, os diários. Este “Daniel” do título é uma personagem fictícia, criada pelo museu a partir de diários de vítimas da Shoá. O fio condutor da exposição é o diário do próprio Daniel, cujas páginas estão espalhadas pelo percurso expositivo, seguindo a ordem cronológica dos eventos históricos e levando o visitante a percorrer o caminho que a família de Daniel teria percorrido, desde a promulgação das Leis de Nuremberg na Alemanha Nazista, até a deportação para o campo de extermínio. A exposição conta com um livro de referências, que pode ser consultado em visita à biblioteca do David and Fela Shapell Family Collections, Conservation and Research Center, em Maryland, nos Estados Unidos, do qual consta um clipping de diversos diários utilizados para embasar a criação da personagem, de sua família e de sua história. O livro traz trechos de textos pessoais de crianças e jovens que sobreviveram 22 “The Holocaust was the systematic, state-sponsored persecution and murder of six million Jews by the Nazi regime and its collaborators between 1933 and 1945 across Europe and North Africa. The height of the persecution and murder occurred during World War II. By the end of the war in 1945, the Germans and their collaborators had killed nearly two out of every three European Jews. The Nazis believed that Germans were racially superior. They believed Jews were a threat to the so-called German racial community. While Jews were the primary victims, the Nazis also targeted other groups for persecution and murder. The Nazis claimed that Roma, people with disabilities, some Slavic peoples (especially Poles and Russians), and black people were racially inferior. The regime persecuted other groups because of politics, ideology, or behavior. These groups included Communists, Socialists, Jehovah’s Witnesses, gay men and people the Nazis called ‘asocials’ and ‘professional criminals’.” (<https://www.ushmm.org/teach/fundamentals/holocaust-questions#1> - acesso em 03/01/2024). 23 Reiss, 2018, p. 103. 24 Reiss, 2018, p. 98, p. 107-111. Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 242 mas também que pereceram; parte deles sequer teve seus autores identificados. De acordo com o documento, os diários revelam o que os jovens pensavam, com o quê se importavam e como se expressavam, informação esta que influenciou e moldou a escrita do diário de Daniel25. Tanto o Yad Vashem quanto o USHMM e o Museu do Holocausto de Curitiba possuem outros critérios comuns, entre eles o seguinte: ao tratar de um número de pessoas assassinadas que figura na ordem dos milhões, tem-se uma grandeza difícil de ser compreendida, especialmente pelos visitantes mais jovens. A recomendação dos três museus é que se traduzam esses números gigantescos em histórias individuais reais - de mães, pais, avós, avôs, filhas, filhos, amigas e amigos. Aqui, porém, é necessário cuidado para que não sejam feitas comparações de dor: histórias pessoais podem até ser semelhantes, mas nunca idênticas, e para lembrar o que escreveram Ruth Klüger, sobrevivente da Shoá, e Art Spiegelman, filho de sobreviventes, escapar à morte relacionou-se mais a questões circunstanciais do que a quaisquer características que as vítimas porventura tivessem. Romantizar a história, segundo referidas instituições, é também uma ação a ser evitada. Impõe-se, ainda, máxima responsabilidade e sensibilidade quanto às escolhas expográficas, já que se trata da desumanização, brutalização e assassinato de milhões, por outros seres humanos. Diante disso, as instituições supracitadas pregam o uso de fotografias e ilustrações de conteúdo gráfico com extrema parcimônia, apenas quando existir contexto coerente, evitando aquilo que Semprún chamou de ausência de suporte para imagens26. O intuito, além de evitar o desrespeito às vítimas e seus descendentes, é o de prevenir o sensacionalismo e a exploração emocional sobretudo dos visitantes mais jovens, além de evitar o reforço do estereótipo do judeu como vítima dotada de passividade - no tocante a estereótipos, materiais publicados pelo USHMM com vistas à capacitação de professores citam os ciganos como vítimas de preconceito e de comentários derrogatórios, sugerindo a instituição que se dê visibilidade a estes grupos durante o ensino da Shoá, e que sejam propagadas informações acuradas sobre a história e a cultura de tais populações27. Assim é que tanto o USHMM quanto o Yad Vashem reportam ser totalmente possível o ensino da Shoá sem a utilização de imagens chocantes. Ecoam tal propositura o filme Shoá, de 25 O livro de referências da exposição Remember the Children: Daniel’s Story foi consultado, em seu formato físico, em 15/12/2023. De sua página 26 consta o seguinte excerto, acima traduzido livremente: “[the diaries] revealed what young people thought about, cared about, and how they expressed themselves. In particular, this information influenced and shaped the writing of Daniel’s diary.” 26 Reiss, 2018, p. 191. 27 De acordo com o conteúdo da página 8 do Daniel’s Story Videotape - Teacher Guide, brochura publicada pelo USHMM para distribuição a escolas estadunidenses, juntamente com um vídeo complementar à exposição infantil do museu. Referido documento foi fisicamente consultado em 15/12/2023, no David and Fela Shapell Family Collections, Conservation and Research Center em Bowie, Maryland, Estados Unidos. Cadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 243 Claude Lanzmann, um documento a respeito do Holocausto com mais de nove horas de duração e que não conta com esse tipo de conteúdo, e a própria exposição Remember the Children, do USHMM. Os mesmos museus desencorajam, entretanto, jogos de dramatização - conhecidos como role-playing games - que utilizem a Shoá como tema, posto que é indesejável que os aprendizes pensem saber como foi viver no contexto do Holocausto, ou ainda, considerem-se capazes de julgar palavras e atitudes daqueles que estiveram sob a pressão dos acontecimentos do período. Em lugar de jogos imersivos, as instituições propõem que sejam trabalhadas as fontes primárias, tais quais os diários anteriormente citados, mas também poesias, desenhos, fotografias. A mesma diretriz é válida para o ambiente museal, sugerindo moderação quanto à intenção de, através da expografia, promover a imersão do visitante na narrativa de um museu dedicado ao Holocausto. Em 2019, ano seguinte à nossa visita (quando ali tivemos a oportunidade de “estar” no campo de concentração de Majdanek via equipamento de realidade virtual, e de “conversar” com o avatar de um sobrevivente da Shoá através da mesma tecnologia), o Museum of Jewish Heritage (Museu do Legado Judaico), em Nova York, inaugurou uma exposição intitulada Auschwitz: Not long ago, not far away, sobre a qual escreveu, no veículo The Atlantic, a professora, romancista e ensaísta estadunidense Dara Horn28. Sobre sua visita, aos 15 anos, ao Memorial e Museu Auschwitz-Birkenau, Horn conta ter sentido uma ponta de esperança, já que a presença dela e de seus companheiros de viagem, também judeus, denotava o fracasso dos planos de Hitler. Ao visitar a exposição do Museum of Jewish Heritage, em 2019, ela afirmou ter sentido que algo nela havia mudado, e que uma exposição tão informativa e detalhada, de enorme sucesso de público (chamada pela autora de blockbuster, em referência a Hollywood e ao fato de que a responsável pela montagem da exposição, a empresa espanhola Musealia, era a mesma que havia popularizado no mundo todo a exposição Bodies, em que se mostra corpos humanos dissecados, com ênfase em músculos e tendões), fez com que ela nunca mais tivesse vontade de visitar outra exposição sobre a Shoá. O mal estar de Horn a respeito de uma exposição tão imersiva que contava com uma “sala da câmara de gás” é compreensível, já que a instituição museológica dedica-se a representações, e em tal contexto, a imersão tende a objetivar experiências do passado - em outras palavras, proceder à malfadada tentativa de definir “o que o passado é”. Desnecessário dizer que tal mister é impossível, já que o tempo 28 <https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2019/06/auschwitz-not-long-ago-not-far-away/591082> (acesso em 18/01/2024). Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 244 pretérito é apenas passível de ser representado através de fragmentos - de história, de memória, em forma de documentos e artefatos. Note-se que a questão da imersão não se aplica à exposição infantil do ANOHA, já que esta traz como argumento uma narrativa bíblica - a da arca de Noé - e não algo que se considere um evento histórico pretérito. Ali, é desejável que os visitantes embrenhem-se no percurso expositivo já que estão, segundo o museu, “visitando uma história” (em inglês, visiting a story), em conformidade com as abordagens Hands-on e Early Excellence praticadas. A imersão, neste caso, faz com que não sejam necessários (razão pela qual sequer existem) longos painéis explicativos, até porque, de acordo com o ANOHA, parte de seu público sequer sabe ler29. A Escola Internacional para Estudos do Holocausto, atrelada ao Yad Vashem, é uma ferrenha defensora da abordagem educacional multidisciplinar, além da adequação das lições à faixa etária, como anteriormente proposto. Propõem o trabalho com arte, música, literatura, teologia e teatro para oferecer aos aprendizes - parte deles educadores, que levarão o conhecimento adquirido às instituições de educação formal e não formal de origem - amplo entendimento dos eventos relacionados à Shoá. Referida abordagem possui reflexo na instituição museal de mesmo nome, que, assim como o USHMM, encoraja o trabalho com fontes primárias e o esclarecimento a respeito dos símbolos tradicionais judaicos (como a mogen David30 que, como elucida Dwork, significa escudo de David, apesar do formato de estrela); na mesma esteira do ANOHA, o Yad Vashem propõe, para a faixa etária de até dez anos, o ensino de conceitos básicos de direitos humanos através do foco no indivíduo e em seus sentimentos e aspirações, e nas relações entre as crianças e o meio-ambiente31. Cerávolo, citando Bellaigue, aduz que a museologia é, de fato, interdisciplinar, já que empresta metodologias de outras áreas, aproximando-a assim das ciências sociais e da filosofia32. Todavia, enquanto o Yad Vashem, o ANOHA e o USHMM mencionam a “interdisciplinaridade” e a “multidisciplinaridade” em seu material educativo, o Museu do Holocausto de Curitiba trabalha com a transdisciplinaridade, ou seja, um conceito de educação que compreende o conhecimento de uma forma plural, ao romper as fronteiras entre as diversas disciplinas. Além da exposição permanente, disponibiliza materiais educativos tais como o livro digital “Desrespeitável Público”33 que, ao trabalhar com o choque de valores existente entre o 29 <https://anoha.de/en/our-approach> (acesso em 02/12/2023). 30 Dwork, 1991, p. xvi. 31 <https://www.yadvashem.org/education.html> (acesso em 01/12/2023). 32 Cerávolo, 2004, p. 240. 33 <https://www.museudoholocausto.org.br/_arquivos/materiais_educativos/Desrespeitavel_publico.pdf> (acesso em 25/01/2024). Cadernos de Língua e Literatura Hebraica Universidade de São Paulo ISSN 2317-8051 - No. 25 (2024) _________________________________ 245 circo e o Nazismo, até pelo caráter transnacional e diverso do primeiro, propõe uma série de leituras e atividades adequadas a múltiplas faixas etárias, destacando a diversidade, os direitos dos animais, as artes em geral. Frise-se que o museu recebe visitantes a partir dos 12 anos; quanto aos mais novos, são visitados nas escolas pela equipe educativa da instituição, que lhes apresenta atividades adequadas à faixa etária34. As diretrizes e orientações aqui expostas são, conforme explanado, fruto de incessante trabalho de pesquisa por parte das instituições supracitadas. Advêm de um trabalho sempre em construção, passível de adições e de subtrações, podendo assim resultar em novos olhares e maneiras de transmissão Shoá, na medida em que a sociedade servida por estes conhecimentos também atravessa mudanças, inclusive de cunho tecnológico, o que permite a divulgação de informações - procedentes e improcedentes - em altíssima velocidade e enorme alcance. É fundamental, no entanto, que se compreenda que infâncias e adolescências possuem semelhanças e diferenças a depender do contexto em que se desenrolam, sendo possível padronizá-las apenas até certo ponto. Assim, mesmo diretrizes largamente praticadas podem necessitar de adaptações dependendo das circunstâncias em que deverá ocorrer sua aplicação. Referências CERÁVOLO, S. M. Delineamentos para uma teoria da Museologia. Anais do Museu Paulista. São Paulo, v. 12, p. 237-268, 2004. DIDI-HUBERMAN, G. Cascas. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. DWORK, D. Children with a Star: Jewish Youth in Nazi Europe. New Haven: Yale University Press, 1991. HUYSSEN, A. Seduzidos pela memória. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2004. KLÜGER, R. Paisagens da Memória. São Paulo: Editora 34, 2005. 34 Informação prestada pelo próprio museu, através de correspondência eletrônica, em dezembro de 2023. Ensino da Shoá a crianças e adolescentes no museu: um quadro de diretrizes - Juliana Carvalho Eliezer ___________________________________________________________________________________ 246 LINENTHAL. E.T. Preserving Memory - The struggle to create America’s Holocaust Museum. New York: Penguin Books, 1997. MENESES, U. T. B. Do teatro da memória ao laboratório da História: a exposição museológica e o conhecimento histórico. Anais Do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, n. 2, v. 1, p. 9-42, 1994. PEREIRA, N. M.; GITZ, I. Ensinando sobre o Holocausto na escola. Porto Alegre: Penso, 2014. POULOT, D. Museu e Museologia. São Paulo: Editora Autêntica, 2013. REISS. C. Luz sobre o caos - Educação e memória do Holocausto. Curitiba: Imprimatur, 2018. SPIEGELMAN, A. Maus. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. TOTTEN, S.; FEINBERG, S. (Org.). Essentials of Holocaust Education - Fundamental issues and approaches. New York: Routledge, 2016.
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Doi10.11606/issn.2317-8051.cllh.2024.221949
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Pub Date2024-08-18 01:00:00
Pub Year2024
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Search Term UsedJehovah's AND yearPublished>=2024
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Last Update2024-11-06 00:00:00
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Modified2025-01-13 22:06:04
Created2025-01-13 22:06:04